STF, sistema acusatório, imparcialidade do julgador e os julgamentos dos atos de 8 de janeiro de 2023: protagonismo das partes e amplo direito de defesa?

Não poderíamos deixar de trazer no artigo desta semana, uma urgente e necessária reflexão técnico-crítica sobre os limites do sistema acusatório no processo penal brasileiro quanto à imparcialidade do julgador, durante a sessão de instrução e julgamento processual, bem como sobre a amplitude do direito de defesa por parte de advogados e seus assistidos nos julgamentos ocorridos perante o Supremo Tribunal Federal, dos atos praticados em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023.

Isso porque foi ampla e duramente criticado na mídia: 1) a forma como alguns dos advogados de defesa teriam se preparado para a sessão plenária (v.g. alguns citaram trechos de obras de forma incorreta e colocaram impressões pessoais/políticas para a defesa de seus assistidos, considerado, em parte, sem o devido zelo) nas sustentações orais durante os julgamentos dos primeiros condenados pelos atos ocorridos em 8 de janeiro de 2023; e, 2) a forma como os causídicos foram repreendidos pelos julgadores do caso, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial, em relação aos comentários e falas do Min. Relator da Ação Penal (AP) 1502, Alexandre de Moraes, suscitando inefetividade de ampla defesa e parcialidade jurisdicional.

Traçamos, então, alguns questionamentos aqui propostos: a) quais são os fatos criminosos narrados no episódio do 8 de janeiro de 2023 e os limites ou inconsistências das centenas de denúncias em andamento?; b) qual é a importância da liturgia, da técnica e da desenvoltura dos advogados durante uma sustentação oral na instrução do processo penal junto ao Supremo Tribunal Federal? e c) quais os limites ao sistema acusatório, especialmente em relação à imparcialidade do julgador e à ampla defesa, frente ao protagonismo dos Ministros na busca incessante pela “preservação da ordem democrática”?

Começaremos pela pesquisa bibliográfica e documental pertinente, e, logicamente, traçaremos algumas críticas relativas ao caso no final.

Apenas a título de esclarecimento, a presente análise não possui enfoque partidário e visa apenas apurar, de forma técnica e em observância aos princípios constitucionais penais e processuais penais da Constituição de 1988, as implicações jurídicas dos referidos fatos no exercício do direito de defesa pelos advogados responsáveis pelas sustentações orais e sobre a lógica das condenações subsequentes dos envolvidos.

 

  1. Breve histórico dos atos ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023: motivos para a prática, dos movimentos pacíficos aos violentos e expectativas iniciais no papel do STF na apuração e na punição dos infratores em nome da defesa da ordem democrática

 

No dia 30 de outubro de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (após obter anulação de seus processos criminais junto ao STF, movidos no âmbito da operação Lava Jato, com base em prova da parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro e do procurador da República Deltan Dallagnol), foi eleito presidente do Brasil, derrotando nas urnas o ex-Presidente da situação, Jair Messias Bolsonaro. No entanto, desde então, a polarização entre eleitores cresceu e, alguns apoiadores de Bolsonaro, inconformados com o resultado das eleições, começaram a buscar formas de deslegitimar o resultado eleitoral, e, em repúdio ao novo presidente, passaram a adotar ações inicialmente pacíficas de inconformismo.

Num primeiro momento, houve a manifestação de bloqueio de rodovias em todo o país. Com o risco de crise econômica geral, o Governo Federal e o Judiciário, por meio do STF, com relatoria do Min. Alexandre de Moraes, determinaram o desbloqueio das estradas sob pena de responsabilizar a PRF e autoridades competentes.

Logo depois, os manifestantes se organizaram por meio de grupos de Whatsapp e outras redes sociais, e, em todo o país, se reuniram em acampamentos de finalidade e aparência similares em frente aos quartéis militares, suplicando pela anulação das eleições e pedindo para as Forças Armadas tomarem o poder do governo federal, promovendo-se uma suposta “Intervenção Militar” ou “intervenção Federal”, com suposta base no art. 142 da Constituição Federal. Dentre as características das pessoas que frequentavam os acampamentos estavam: grupos financiadores, grupos de indivíduos financiados para estarem ali presentes e grupos não-financiados, mas simpatizantes e apoiadores do movimento.

Na véspera do Natal de 2022, houve tentativa de explosão de uma bomba perto do Aeroporto Internacional de Brasília, em que os acusados eram pessoas ligadas ao ex-presidente e estariam premeditando o delito dias antes durante os encontros no acampamento em frente ao Quartel General de Brasília.

No fatídico dia 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse do então presidente Lula em Brasília, essas tensões políticas entre os manifestantes opositores do governo atingiram um ponto crítico, resultando na invasão e destruição dos mencionados prédios e patrimônios públicos.

Conforme manifestação da PGR em solicitação de providências ao STF para abertura da investigação, imputou-se que seriam  atos que estão inseridos no contexto dos crimes contra a democracia, ou seja, os crimes previstos nos arts. 359-L e 359-M do CP. Quanto aos financiadores dos atos, ainda é muito difícil a conceituação do termo “terrorismo” no Brasil.

Logo após, a intervenção federal foi decretada pelo Executivo e pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que levou à prisão de quase 1.200 pessoas.

Além disso, muitos especialistas foram ouvidos quanto às motivações por trás dos comportamentos dos manifestantes. O psicanalista Christian Dunker [ Fonte: https://jornal.usp.br/cultura/uma-marcha-da-insensatez-revisitada/ ] destacou semelhanças com seguidores de seitas messiânicas, que aguardavam eventos apocalípticos que nunca ocorrem. A análise se estende às ações dos vândalos, que causaram danos não apenas aos prédios públicos, mas também ao patrimônio histórico e artístico nacional, incluindo a destruição de obras de arte valiosas e raras.

Outros fatores que contribuíram para esses ataques foi a disseminação de discursos e desinformação promovidos por alguns personagens políticos extremistas. A desinformação e a propagação de fake news levaram a teorias conspiratórias (como a de que “o país se tornaria comunista; de que a haveria entrega de “kit gay” nas escolas infantis e de que a balbúrdia iria tomar conta das cidades por conta das drogas etc.”), contribuindo para a radicalização do discurso político. A própria indução à radicalização política e a disseminação de informações falsas podem ter influenciado os indivíduos envolvidos nos ataques.

Os atos de violência também expuseram, em tese, a omissão de alguns funcionários públicos, quais sejam: integrantes da polícia militar e de algumas autoridades públicas do Distrito Federal, evidenciando uma suposta falta de preparo para conter os ataques e proteger o patrimônio público.

Milhares de prisões cautelares foram efetuadas, audiências de custódia foram realizadas pelo judiciário federal por delegação, e, enquanto a sociedade se mobilizou nas redes sociais para identificar os participantes dos atos, colaborando com as investigações. Nesse contexto, é fundamental e esperado que os acusados tenham direito a uma defesa legítima e justa perante a lei.

Porém, para a Associação de Familiares e Vítimas de 08 de janeiro (Asfav), criada no final de abril/23 para auxiliar os acusados pelos atos e seus parentes, há uma série de erros judiciais e “violações” aos direitos de réus e presos, pois os réus são alvo de acusações muito parecidas sem a devida individualização e sem evidências do que cada um teria feito individualmente. Criticam ainda a prisão de idosos e mães de filhos pequenos como injusta e excessiva.

Além disso, segundo a Asfav, os réus dos atos de 8 de janeiro enfrentariam condições precárias nas prisões e sua defesa estaria sendo prejudicada por não ter acesso a um inquérito mantido em sigilo, o que estaria dificultando a ampla defesa e o contraditório.

Os atos de depredação dos prédios onde ficam a sede dos três poderes na capital de Brasília-DF, a Corte levou a julgamento no último dia 13/09, os principais réus Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar, Moacir José dos Santos e Matheus Lima de Carvalho Lázaro. Eles foram presos no dia dos ataques e respondem pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, associação criminosa armada e danos contra o patrimônio público, com uso de substância inflamável. Somadas, as penas podem chegar a 30 anos de prisão.

Por fim, é fundamental ressaltar a premente necessidade de preservar a democracia brasileira e as instituições legais, mesmo diante de eventos tão perturbadores como os ocorridos. O julgamento desses réus e a análise de suas defesas diante das acusações de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, associação criminosa armada e dano ao patrimônio público têm implicações significativas para todo o sistema legal brasileiro e para a compreensão das consequências legais (precedentes) não só para os atos antidemocráticos mas para outros crimes.

À medida que a Suprema Corte avaliava esses casos, parecia que este episódio seria fundamental para lembrarmos a importância de preservarmos a democracia brasileira e as instituições legais, mesmo diante de eventos perturbadores. A análise jurídica desses processos busca ressaltar a relevância de manter o estado de direito e a ordem democrática no Brasil vigentes, enquanto o país busca minimizar os efeitos perversos da polarização política e entender que o extremismo ideológico e uso de violência podem, em conjunto, gerar implicações mais severas desses  eventos na nossa trajetória política nacional.

 

  1. Sobre liturgia e técnica: a postura esperada do advogado criminalista na defesa processual penal de casos com repercussão midiática

 

Alguns conhecidos e familiares certamente já questionaram o porquê escolher a Advocacia Criminal. Qual o segredo para ter tanto equilíbrio emocional e estratégia rápida para defender casos tão complexos e “difíceis” como daquele que supostamente cometeu um crime?

Sempre respondo que por vivermos num regime democrático pautado na Constituição Federal de 1988, há vários direitos fundamentais atrelados à dignidade humana que não podem ser expurgados dos indivíduos, nem mesmo aqueles que estão sendo acusados pela prática de um crime.

São esses direitos fundamentais e o seu respeito pelas instituições e pela sociedade em geral que demonstram se a democracia vai bem ou mal.

Um desses direitos indeléveis de um Estado Democrático de Direito é, sem dúvidas, o direito que todo cidadão tem de defender seus interesses perante o sistema de justiça criminal.

Isso porque se assim não o fosse estaríamos diante de um Estado Policial amplo, totalitário, no qual se permitem abusos de direito e de autoridade.

A Carta Magna de 1988 ou também conhecida como a nossa Lei Maior, estabelece as chamadas garantias fundamentais decorrentes do devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, LIV), ou seja, a garantia da imparcialidade do julgador, do contraditório, da ampla defesa, da paridade de armas entre acusação e defesa, da presunção de inocência etc.

Assim, garante-se que ao mesmo tempo em que o Estado possui o órgão oficial para promover as diligências acusatórias necessárias a se comprovar judicialmente a culpa de alguém, em isonomia de ferramentas é preciso que a lei assegure as possibilidades do pleno exercício defensivo (garantias de defesa pessoal e defesa técnica).

Em outras palavras, é dever do Advogado Criminal se preparar para as regras do jogo processual penal para assegurar que a pessoa que ele está defendendo no banco dos réus, não se sinta completamente desamparada ou sozinha, seja ela culpada ou inocente.

Como diria um dos advogados mineiros e juristas mais famosos do nosso país, Heráclito Fontoura Sobral Pinto: “a Advocacia não é profissão de covardes”, justamente porque, especialmente na advocacia criminal, é preciso conciliar a coragem de se fazer a defesa bem feita, enfrentando as eventuais autoridades e o risco de opinião pública desfavorável, como também é a Advocacia uma profissão que exala uma certa liturgia.

Liturgia, contudo, é uma palavra de origem canônica que se encerra na observância de ritos e cerimônias públicas. Porém, a advocacia também é secularmente uma tarefa que não deixa de ser um ofício público e litúrgico, permeado de regras e formalidades intrínsecas.

O ato de advogar não impõe apenas um preparo intelectual e literário para escrever petições, mas também impõe a nós Advogados, mormente os criminalistas, um estrito cuidado com a função jurisdicional, com os atos processuais e com os procedimentos especiais.

Assim, o respeito às formalidades processuais, com a engenhosidade estratégica de se assegurar, por meio da técnica oral ou escrita, seja de forma mais pacífica ou, às vezes, incisiva e calorosamente, o papel intransigente de defesa dos interesses do seu constituinte, dentro dos parâmetros permitidos pela Constituição Federal.

De certo que o Estatuto da OAB tratou de tutelar na Lei 8.906/1994 não só os direitos mas também os deveres dos advogados no exercício de sua profissão e definiu algumas infrações disciplinares graves, punidas com suspensão, as previstas nos incisos XVII a XXV do art. 34 do EAOAB, dentre elas, a chamada “inépcia profissional”.

Porém, nem toda incapacidade ou erro por parte do advogado pode implicar uma punição pelo Estatuto da Advocacia. Conforme o inciso XXIV, do Art. 34 do EOAB, há a previsão de que a infração só ocorre na reiteração: “Incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional”. Essa norma indica que essa infração disciplinar só deverá ser aplicada quando o advogado, com culpa grave, perca prazos e cometa erros graves de forma repetida ou reiterada em processos judiciais ou administrativos com prejuízo ao cliente. Não basta que erre uma única vez, há de ser vários erros lesivos ao seu constituído.

Diante dessas primeiras constatações, entendemos que a atividade laboriosa e desafiadora da advocacia criminal é um direito fundamental nos estados democráticos de direito, porém, deve ser exercida de forma técnica, litúrgica e estratégica de forma a não prejudicar os clientes que já estão numa das maiores margens do sistema social: a condição de acusados.

Quando se trata de supostos réus de crimes contra a ordem democrática e de ações penais que tramitem originariamente em tribunais ou cortes constitucionais, como é o caso dos atos de 8 de janeiro de 2023, é inegável que o advogado constituído terá sobre si o efeito potencializador do olhar da mídia e da sociedade em geral, o que implica um redobrado cuidado na hora de preparar as defesas técnicas e as sustentações orais de seus assistidos, pois a repercussão é internacional.

De fato, o advogado criminalista não é um ser perfeito. Algumas gafes e incorreções podem ocorrer ao longo de sua trajetória. Em tempos de cancelamento em redes sociais, contudo, algumas permanecerão na memória da população e despertarão “memes” por algum tempo.

Na arena do contraditório vale tudo? Depende! É preciso calcular riscos para o impacto que determinadas atuações poderão ter em médio ou longo prazo para o cliente.

A falta de defesa técnica ou a defesa técnica ineficaz ou inefetiva pode, de acordo com o próprio STF, em sua Súmula 523, representar a anulação do processo caso gere prejuízos à defesa, como, no caso, uma condenação criminal de 17 anos de reclusão.

Diante do exposto, reforçamos aos colegas a responsabilidade e a necessidade de constante estudo, aperfeiçoamento técnico, preparação e análise de riscos em suas atuações na advocacia criminal, mormente nos casos envolvendo os episódios de 8 de janeiro de 2023, com forte conotação midiática de politização do STF. São defesas que poderão “mitar” ou “flopar”, impactando positiva ou negativamente, de forma avassaladora, na situação jurídica do seu cliente e na própria trajetória do nobre advogado perante seus pares e demais cidadãos.

 

  1. Julgamentos Públicos dos Atos do 8 de janeiro de 2023 pelo STF: como fica a questão do sistema acusatório, da imparcialidade do julgador e da ampla defesa?

 

Apenas a título de recordação, o fatídico evento do dia 8 de janeiro de 2023 terá reflexos não só para os envolvidos no caso, denunciados na ação penal originária no STF.

Assim como o julgamento de políticos, servidores públicos e empresários nas operações “Mensalão” e “Lava Jato”, os resultados desses votos e decisões do STF impactarão na forma como toda a Justiça Penal brasileira interpretará as garantias do processo penal num sistema que se diz acusatório.

Mas afinal de contas, o que é um sistema acusatório? De raízes greco-romanas, o modelo acusatório de sistema processual penal é aquele em que verificamos claramente as diferentes funções de: investigar, acusar, defender e julgar.

Nos Estados Unidos da América, onde o modelo acusatório é perene e existe desde o início da consolidação dos Estados Americanos (assim como podemos verificar quando assistimos em filmes disponíveis nas plataformas de streaming atuais), o Juiz (somado aos jurados) é uma figura imparcial e distante das partes, que está num degrau acima e ouve atentamente os embates na arena entre a Promotoria (Acusação) e a Defesa.

No modelo estadunidense as diferentes funções e órgãos de acusar, defender e julgar garantem que a responsabilidade no convencimento acerca da suposta verdade processual e das provas no processo penal é das partes – e não do julgador.

No Brasil, este modelo apesar de legal e formalmente vigente, ainda é incipiente e prematuro.

Isso porque, apesar da norma do art. 3º-A do Código Processo Penal, validada recentemente pelo STF como constitucional, prever que o nosso sistema é acusatório, não podemos imaginar que, advindos de uma histórica e tradicional prática inquisitorial de processo, onde o juiz diligencia em busca da verdade real, seja automaticamente acolhida.

O nosso sistema se diz acusatório mas há ainda regras no processo penal que garantem que o juiz possa, durante a instrução processual, buscar diligenciar para esclarecer algum fato ou evento relevante aos autos. Contudo, isso dá liberalidade incompatível com o modelo acusatório em que não é o juiz protagonista na instrução processual, ele é apenas um terceiro distante das partes e são elas – acusação e defesa – , quem devem brilhar na arena do processo penal constitucional.

Juiz investigador, juiz protagonista, juiz justiceiro que quer combater a criminalidade a qualquer custo, é um “juiz lacrador”. E me perdoem a expressão, mas juiz que “lacra” no processo penal, está querendo se amostrar para além das barreiras do sistema acusatório.

Juiz no sistema democrático e acusatório precisa ser imparcial e distante das partes. Ponto. As partes devem provar suas alegações, e, mais especialmente à acusação, cabe a ela o dever de provar se o fato foi típico, ilícito e culpável para fins de aplicação da pena. Não é possível condenar de forma genérica ou sem individualizar cada conduta do acusado.

A democracia impõe o devido processo legal. Não aceita o acaso ou a espetacularização do processo penal por juízes. Muito menos por Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Cabe destacar que, conforme noticiado na mídia, durante os julgamentos dos primeiros condenados pelos atos de 8 de janeiro, durante as sustentações orais da defesa, o advogado Hery Kattwinkel Júnior afirmou que o Ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, teria invertido o papel de julgador para o de acusador e indicou que o ministro estaria com “ódio” do réu.

Segundo a fala do Min. Alexandre de Moraes a postura do advogado foi “patética” e “medíocre” e nada ajudou na defesa do réu Thiago.

O magistrado também teria insinuado que o advogado Kattwinkel teria feito um discurso “para publicar nas redes sociais” e que usaria isso para se candidatar para uma eleição, antecipando-se com supostos subjetivismos incompatíveis com a condição de julgador num sistema puramente acusatório.

Na fala do Min. Relator Moraes, na referida ação penal após a sustentação oral do advogado: “É patético e medíocre que um advogado suba a tribuna do Supremo Tribunal Federal com um discurso de ódio, um discurso para postar depois nas redes sociais, que agrediu o STF, talvez pretendendo ser vereador do seu município no ano que vem. Digo com tristeza que o réu aguarda que seu advogado venha defender tecnicamente(…) O advogado ignorou a defesa, ele não analisou absolutamente nada. O advogado preparou um discurso para postar em redes sociais. Isso é muito triste. Os alunos do curso de direito da Universidade de Rio Verde [que assistiam à sessão na Corte] tiveram uma aula do que não deve ser feito na tribuna da Suprema Corte…”.

Durante seu pronunciamento, o advogado tinha atribuído a frase “os fins justificam os meios” ao livro “O Pequeno Príncipe”. Porém, o Min. Alexandre de Moraes rebateu de forma irônica a confusão e disse que o advogado não devia ter lido nenhuma das referidas obras, que deveria ter usado citação com base na busca do Google, gerando-se nas redes sociais total “chacota” ao causídico.

Num outro caso dos julgamentos do 8 de janeiro, o advogado Sebastião Coelho, ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) e advogado do réu Aécio Lúcio Costa Pereira, afirmou perante o Plenário do STF que os magistrados são “as pessoas mais odiadas” do Brasil” e que “não estava afrontando” o tribunal.

Em suas palavras, o defensor externou: “Eu quero dizer, com muita tristeza, mas eu tenho que dizer a Vossas Excelências, nessas bancadas aqui, desses dois lados, senhores ministros, estão as pessoas mais odiadas desse país, infelizmente”.

Parte do tempo de fala do referido advogado foi também para externar outras situações, como a prestar solidariedade aos agentes da Polícia Militar que haviam sido presos por omissão e colaboração com os supostos acusados golpistas no 8 de Janeiro. Segundo o causídico Sebastião Coelho, a corporação da PM seria uma vítima de perseguição política e que o STF, estaria “praticando “tortura” ao suspender o pagamento dos salários dos policiais presos”.

Diante do ocorrido, o Conselho Federal da OAB, no último dia 14 de setembro de 2023, enviou ofício expressando não apoio aos advogados que promoveram as falas na tribuna, mas o órgão de classe deixou claro que tem “plena confiança da entidade na atuação do STF, especialmente quanto à legítima função de guardiã da Constituição e protetora do Estado Democrático de Direito. Ao tempo em que reitera sua crença na correta condução dos trabalhos por parte de todos os ministros componentes, a OAB se solidariza com o tribunal ante ataques que sofre pela incompreensão do papel da Suprema Corte ao efetuar julgamentos que ferem interesses”.

Foi ressaltado pela atual Presidência da OAB que o discurso de ódio não pode se coadunar com o necessário equilíbrio que deve pautar a atuação dos Poderes e de todos em sociedade. Destacou-se que o respeito “às instituições é fulcral, quanto mais em tempos de crise”.

Nesse primeiro ofício, a OAB reiterou sua posição no sentido de que os ataques de 8 de janeiro se afiguram como “graves ofensas à estabilidade democrática no Brasil” e ainda finaliza que “todos os envolvidos sejam responsabilizados, assegurado o devido processo legal com todos os seus consectários constitucionais e legais”.

 

  1. Efeito em cascata e consequências imediatas: o que isso pode impactar o sistema de justiça penal brasileiro na relativização da defesa das garantias processuais em nome da defesa da ordem democrática

 

Diante dos episódios de embates nem sempre técnicos e ironizados que veicularam na mídia, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, atendeu na última 2ª feira (18.set) um pedido do ministro relator da ação penal em comento, Alexandre de Moraes, para que marcasse o julgamento da 4ª ação penal, do réu Moacir José dos Santos, igualmente acusado pelos atos de 8 de janeiro deste ano, a ser julgado no plenário virtual, ou seja, para evitar que novas sustentações orais presenciais com advogados cheguem nos extremos ocorridos na semana passada.

De acordo com o próprio site do STF, o julgamento virtual no órgão não tem presença e contato físico de advogados diretamente com os ministros, veja-se como funciona:

“No início da sessão, o relator lança no sistema o relatório e o voto do processo em julgamento. Em seguida, os demais ministros podem se manifestar, com quatro opções de voto: acompanhar o relator; acompanhar com ressalva de entendimento; divergir do relator; ou acompanhar a divergência.

O calendário de julgamentos lista todos os processos pautados e a duração das sessões.

O acesso à íntegra dos votos e ao andamento do placar, em tempo real, pode ser feito por meio da aba “Sessão Virtual”, disponível na página de acompanhamento dos processos. Em seguida, clicar na identificação do processo para que seja aberto o placar e o acesso às íntegras de voto e sustentações orais disponíveis”. [Fonte: https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=noticiasImprensa&pagina=sessoesVituais#:~:text=As%20sess%C3%B5es%20virtuais%20de%20julgamento,dura%C3%A7%C3%A3o%20de%20seis%20dias%20%C3%BAteis. ]

O julgamento será retomado no próximo dia 26 de setembro. No total, o STF vai analisar 232 ações. Os primeiros três réus já foram julgados no plenário físico, e, como visto, todos foram condenados por associação criminosa e tentativa de golpe de estado.

Entretanto, se admitido o plenário virtual, os votos são inseridos em um sistema eletrônico no prazo de 7 dias e não há sessões para debates. As defesas serão feitas pelos advogados por meio de vídeos ou memoriais escritos enviados ao Supremo.

Diante dessa situação e do clamor de muitos advogados, na terça-feira, 19 de setembro, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), atendendo ao pleito da Comissão Nacional de Prerrogativas da Advocacia, enviou pedido ao STF (Supremo Tribunal Federal) para reconsiderar a realização do julgamento presencial das ações penais relacionadas ao 8 de Janeiro, não só por ser direito assegurado aos advogados mas também para gerar mais transparência ao Supremo.

Em ofício, a OAB através de seu Conselho Federal se mostrou favorável à realização de sessão de julgamento remota desde que haja consentimento da defesa dos acusados no processo. No referido documento ao STF, a OAB defende que o julgamento virtual compulsório viola o direito de defesa, o contraditório e o processo legal, veja-se:

“Diante da relevância e excepcionalidade das ações penais ora em análise por essa Corte, o julgamento presencial reveste-se de um valor inestimável em prestígio à garantia da ampla defesa, assegurando aos advogados a oportunidade de realizar sustentação oral em tempo real e, igualmente importante, possibilitando o esclarecimento de questões de fato oportunas e relevantes, bem como o uso da palavra, pela ordem”. [Fonte: https://www.poder360.com.br/justica/oab-pede-que-julgamentos-do-8-de-janeiro-no-stf-sejam-presenciais/ ]

Aguardemos a partir desta quarta-feira os desdobramentos desse requerimento e a resposta da Min. Presidente do STF, Rosa Weber, para que se garanta (ou não) a prerrogativa do advogado de requerer participar do julgamento presencial ou virtual, impedindo-se julgamentos virtuais de forma impositiva e obrigatória pelo tribunal.

Em suma, o que se percebe é que a complexidade do caso e a repercussão midiática num país polarizado politicamente como o nosso é tamanha, o que acaba, sistemicamente, colocando em risco até mesmo as prerrogativas funcionais da advocacia, tão caras e necessárias, em nome da segurança da ordem democrática.

Infelizmente, a defesa da ordem democrática não se faz sem o respeito às liberdades e garantias fundamentais do processo penal.

O Direito Penal e o próprio Sistema de Justiça Criminal possuem limites intrínsecos e bem delimitados constitucionalmente para suas atuações na busca de conhecerem de infrações penais e aplicarem-se lhes a elas suas devidas e proporcionais punições.

Seria uma inversão de valores inconcebível que, em busca de garantir a estabilidade democrática ou a confiança nas instituições, estas pudessem violar direitos e garantias e inverter a lógica do sistema acusatório e de tudo que foi duramente conseguido até o momento em prol das prerrogativas da advocacia criminal.

 

Por Rafhaella Cardoso Advocacia, Rafhaella Cardoso e Jéssica Rodrigues Amaral.

 

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