Saiba o que muda na Lei Maria da Penha com a nova Lei 14.550/2023:

A nova lei n. 14.550 de 2023 que altera a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) foi publicada dia (20.abr.2023) do Diário Oficial da União. Eis a íntegra do texto:

As medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da apresentação de suas alegações escritas e poderão ser indeferidas no caso de avaliação pela autoridade de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”.

A partir de agora, as mulheres terão acesso às medidas protetivas de urgência a partir do momento em que informarem a agressão (física, sexual, psicológica, moral, sexual ou patrimonial) às autoridades policiais.

Além de estabelecer que as delegacias dedicadas ao combate à violência contra a mulher devem funcionar 24 horas por dia, ininterruptamente, mesmo em feriados e finais de semanais.

Como era a Lei antes?

A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, tem como objetivo coibir a violência física, patrimonial, sexual, psicológica e moral contra as mulheres. Foi sancionada em 7 de agosto de 2006 e entrou em vigor em setembro do mesmo ano. É considerada uma das legislações mais importantes do mundo no combate à violência contra a mulher. Além de impor punições para esse tipo de crime, também criou medidas protetivas de urgência para as vítimas, como o afastamento imediato do agressor e a criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.

O nome da lei é uma homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha, que ficou paraplégica devido a agressões sofridas em 1983 do seu marido.

Na nova Lei em vigor – Lei 14.550/2023

Desde então, o direito à proteção será concedido independentemente da apresentação de um boletim de ocorrência, abertura de inquérito policial ou ação penal ou cível. As medidas de proteção permanecerão em vigor enquanto houver risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima ou de seus dependentes, independentemente da motivação dos atos de violência. Além disso, as medidas protetivas de urgência devem ser concedidas em juízo de cognição sumária a partir do depoimento da mulher para a autoridade policial, ou da apresentação de suas alegações por escrito.

O dispositivo ainda prevê que o pedido pode ser negado se a autoridade avaliar que não há risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher ou seus dependentes.

Anteriormente, o acesso às medidas protetivas de emergência poderia ser condicionado à existência de um inquérito policial ou à abertura de uma ação penal ou cível. A senadora Simone Tebet propôs essas mudanças que trouxeram mais rapidez à este processo.

Dados crescentes de violência doméstica no Brasil

 Apesar da existência desse dispositivo ter avançado, o Brasil ainda vive um número alarmante de violência de gênero. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, o número de homicídios de mulheres em 2021 diminuiu ligeiramente em relação a 2020, mas ainda assim 1.341 mulheres foram assassinadas no ano passado como vítimas do crime de homicídio de mulheres. A Lei Maria da Penha visa impedir que as mulheres tenham que cumprir requisitos que não possam ser substanciados por provas concretas para proteção legal.

O município de Uberlândia – MG, conta com o apoio de diversos setores, um dele é a Rede Municipal de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que conta com diversos membros de várias frentes da sociedade, executando um trabalho proativo envolvendo Polícia Militar (PPVD), Delegacia da Mulher, Câmara Municipal, Ministério Público, Judiciário, Universidades etc.

O Município também instituiu, aliado à Secretaria Municipal de Saúde que criou, em outubro de 2022, o Programa Municipal de Vigilância das Violências, que faz parte do núcleo local da Rede de Atenção para Prevenção e Enfrentamento às Violências (RAPEV).

Com o suporte de psicólogos e assistentes sociais especializados, o núcleo analisa cuidadosamente as demandas para garantir os direitos das pessoas que sofreram não somente violência doméstica propriamente dita aqui, mas todo tipo de violência física e que precisam de atenção e desse apoio.

Além disso, o núcleo promove e incentiva ações nas unidades de saúde para prevenir e atender casos de violência doméstica, sexual e física, entre outras. Isso envolve apoio às equipes que atendem pacientes vítimas de violência e a elaboração de protocolos operacionais para orientar os profissionais.

Por fim, a ideia é fortalecer a proteção preventiva para evitar uma nova escalada da violência, o que representa mais avanço na proteção à mulher, pois segundos, minutos, horas e dias, fazem toda diferença.

Qualquer pessoa pode denunciar um crime contra a mulher discando 180 ou 100.

Discussões sobre a Lei n.14.550/2023: acertos e excessos

A Lei nº 14.550, que entrou em vigor em 20/4/2023, teve o nítido objetivo de reforçar o caráter protetivo à mulher vítima de violência doméstica e implementar uma igualdade substantiva, em consonância com o viés interpretativo pro personae quem tem orientado as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, conforme noticiado no Conjur: https://www.conjur.com.br/2023-abr-25/tribuna-defensoria-maria-penha-alteracoes-lei-14550-perspectiva-genero .

Esta foi, claramente, uma resposta legislativa às constantes decisões que ora afastavam a incidência da norma protetiva à mulher, ora negavam sua vigência com base em análises factuais e muitas vezes marcadas por estereótipos da cultura machista, como o de que mulher “mente” e que “mulheres usam a lei sempre pra conseguir impor vantagens etc.” tais como vantagens econômicas ou afastamento arbitrário do agressor do lar.

A nova legislação endossa o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, de aplicação obrigatória graças à Resolução do CNJ 492/2023, de 17 de março, consta que “a ideia de estereótipos de gênero é muito importante, na medida em que, quando permeiam – consciente ou inconscientemente – a atividade jurisdicional pode reproduzir inúmeras formas de violência e discriminação”. Esses estereótipos estão presentes nas causas civis e criminais, pois:

“Ao lado do ideal romântico da figura materna, o gênero feminino, sempre que não se encaixa na expectativa social, é rotulado com estereótipos como o da vingativa, louca, aquela que aumenta ou inventa situações para tirar vantagem, ou seja, a credibilidade da palavra e intenções da mulher sempre são questionadas.”

Nas palavras de Berenice Dias, “o fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas”.

Esta nova lei, como visto, insere um novo parâmetro para a concessão de medidas protetivas independente de prova da prática do crime. Isso impõe nova revisão sobre o “fumus boni iuris” e o “periculum libertatis” no que tange à cautelaridade do processo penal, especificamente pelas questões de gênero.

O fumus boni iuris diz respeito ao standard probatório para a concessão das medidas protetivas de urgência, que, por um juízo de ponderação de interesses efetuado pelo legislador, corresponde à palavra da ofendida.

Assim, o juiz não poderá mais indeferir a medida protetiva apenas alegando que o requerimento se baseia unicamente na palavra da vítima, já que essa será uma fundamentação inidônea.

A respeito dos standards probatórios das medidas protetivas, leciona Janaína Matida:

“De um lado, há o risco de se implementar restrições aos direitos de uma pessoa em realidade inocente; de outro lado, há o risco de, deixando de restringir os direitos de um agressor, assim se contribua para a continuidade da escalada da violência contra a mulher. Em resumidas linhas, em muitos casos o que está sobre a mesa é a integridade física, psicológica e até mesmo a vida de uma mulher. Portanto, não há de se perder de vista que esses são os erros a respeito dos quais é preciso decidir — sobre qual se deve arriscar mais, sobre qual se deve arriscar menos” [fonte]

Em relação ao requisito essencial da decretação de medidas cautelares de natureza pessoal no processo penal definido como ao periculum libertatis, o legislador condicionou o indeferimento das medidas protetivas à avaliação de inexistência de risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes. Isto é, cabe ao agressor provar que não há probabilidade de dano, mas sim do julgador a demonstração da inexistência de situação de risco. A dúvida não será revertida em favor do suposto agressor, ela deverá ser revertida em prol da proteção da mulher para fins de rompimento do ciclo de violência – mudando tangencialmente os rumos dos princípios basilares do processo penal para atender essa situação específica.

Os números oficiais não mentem: o sistema de Justiça nacional não só vinha desprotegendo as mulheres, como as colocava em procedimentos revitimizantes, transformando-as em objeto de prova para conferir – ou não – credibilidade ao seu depoimento. Com essa postura, muitas mulheres retornam ao silêncio, convivendo com o risco de morte.

Como existem consequências criminais, não se pode ignorar que, mesmo excepcionalmente, pode ocorrer uma infração penal em contexto doméstico que não seja direcionada ou não atinja mais diretamente a mulher. Diante desse quadro, por cautela, sugere-se reconhecer que se trata de presunção relativa (juris tantum), conforme afirma a especialista em violência doméstica, Valéria Scarance Fernandes, em artigo recente sobre a nova lei [https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/20/lei-14-550-2023-altera-a-lei-maria-da-penha-para-garantir-maior-protecao-da-mulher-vitima-de-violencia-domestica-e-familiar/ ]

Há ainda que se ressaltar que se os fins da Lei Maria da Penha são protetivos e não punitivos, as mudanças não podem caminhar para outro problema grave do sistema penal brasileiro: a superlotação prisional. É preciso afastar a mulher do ambiente hostil mas precisamos repensar a reinserção social do agressor para que o ciclo ou espiral de violência não agrave ainda mais a violência após a condução ao cárcere. O efeito da nova lei precisa gerar também novas propostas legislativas para trabalhar psicossocialmente os envolvidos durante a aplicação da medida protetiva, para que o suposto agressor possa entender o conteúdo preventivo da norma.

 

 

Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia – Jéssica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso

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