Racismo e extraterritorialidade da lei penal: caso Vini Jr.

Não foi a primeira (nem a segunda, terceira, quarta…) vez que os torcedores do Valencia e outros times rivais do Real Madrid, transformaram o que deveria ser uma belíssima partida de futebol entre os maiores times do planeta, em atos deploráveis de racismo e discriminação contra jogadores negros, em especial, contra o nosso craque brasileiro Vinícius Junior (Vini Jr.), jogador do clube madrileno.

Diante dos noticiados insultos e agressões verbais sofridas por Vini Jr. no último dia 21 de maio de 2023, ao demonstrar que jogadores e torcedores o chamaram de “mono” — que significa “macaco” em espanhol, com conteúdo claramente discriminatório a sugerir que a cor da pele seria aspecto de raça inferior ou involuída, trouxe à baila a (in)efetividade das autoridades espanholas, para coibir uma conduta e ser mais enérgica para a punição dos infratores.

Só para se ter uma ideia, Vini Jr. já foi xingado de macaco no jogo Barcelona x Real Madrid em 24/10/2021, porém os autores não foram identificados e o caso foi arquivado pela Justiça espanhola.

Depois, novamente, no jogo entre Mallorca x Real Madrid, na data de 14/3/2022, os torcedores rivais fizeram sons imitando macacos, porém, o caso também foi arquivado com fundamentação de que não atingiu a dimensão pública penal.

Na sequência, no final do ano passado, no jogo Valladolid x Real Madrid (30/12/2022), a La Liga – responsável pelo Campeonato Espanhol de Futebol – apresentou denúncia na Comissão Antiviolência, Comissão da Competição e no Tribunal Judicial de Valladolid, e os infratores foram punidos penalmente.

Cabe destacar que em outros seis casos, as Autoridades espanholas afirmam que são situações que já foram apreciados pelo tribunal e, parte deles, estão em trâmite ou já finalizaram, com punições aos infratores.

Não é admissível que um comportamento tão grave e reprovável dessa natureza continue a ser “tolerado” por parte dos empresários e responsáveis pelos grandes times de futebol, de forma que até o papel da “La Liga” voltou a ser questionado sobre a postura – eventualmente – permissiva de enfrentamento desses atos lamentáveis dos torcedores, não só pelos demais jogadores de futebol do mundo todo, como Neymar Jr., Ronaldo etc., como também por Autoridades do executivo e legislativo brasileiras.

Do ponto de vista jurídico-penal, as Autoridades espanholas alegam que já denunciaram alguns dos responsáveis da partida do último domingo dia 21, pelos tipos penais de ódio e discriminação. Tais delitos estão previstos no art. 510 do Código Penal Espanhol e são considerados violadores dos direitos fundamentais – no caso, a raça. As penas variam de, no mínimo, 4 anos de prisão além de penalidades de proibição de frequentar partidas (para os torcedores), bem como de expulsão do clube a que pertencem (para os jogadores que aviltaram contra a dignidade de Vini Jr.).

Porém, o Ministro da Justiça Flávio Dino já manifestou na possibilidade de invocar o princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira de combate ao racismo caso as autoridades espanholas venham a apresentar eventual omissão na apuração e aplicação de sanções contra tais atos em desfavor de brasileiros que lá estejam.

Embora a lei penal tenha como enfoque inicial a aplicação dentro do território nacional, o próprio artigo 7o do Código Penal já traz a possibilidade de nossas normas penais serem aplicados a casos cometidos no exterior, com base no que definimos como princípio da “extraterritorialidade”, nas hipóteses previstas legalmente.

Assim, a lei penal brasileira prevê que caso cidadãos brasileiros pratiquem ou sejam vítimas de crime no exterior, há sim a possibilidade de aplicação da lei penal brasileira, o que deve levar o Palácio do Itamaraty a forçar que o governo espanhol seja impelido a tomar as medidas judiciais (cíveis e criminais) e administrativas seja perante a Fifa quanto à Federação Espanhola de Futebol.

Vale ainda destacar que a legislação penal brasileira, recentemente, equiparou quanto à imprescritibilidade o crime de injúria racial ao racismo, com base na Lei nº 14.532/2023, bem como previu que os atos de racismo desportivos, ou seja, aquelas práticas dentro de estádios, têm previsão legal de pena de reclusão de 2 a 5 anos de prisão, podendo, inclusive, ser aplicada em dobro se for cometido por duas ou mais pessoas, com possibilidade de banimento do clube ou dos estádios por até 3 anos.

Ainda que ambos sejam crimes imprescritíveis, injúria racial e racismo no Brasil são tecnicamente delitos diversos sob o ponto de vista jurídico-penal.

No nosso país, a injúria racial está prevista no Código Penal brasileiro, em seu art. 140 parágrafo 3o e o racismo, na Lei 7.716/1989. A primeira, tem pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, e, o racismo, tem pena de reclusão de 2 a 5 anos.

A primeira prática (injúria racial) consiste, por exemplo, no ato de chamar uma pessoa de macaco com clara intenção em ofendê-la, conforme ocorreu no caso de Vini Jr. Se fosse crime de racismo, teria que ser uma prática em detrimento do coletivo, para impedir tal grupo, por razões da raça, cor, etnia ou orientação sexual (entendimento do STF), por exemplo, de frequentar algum local, ou de excluí-lo de práticas e de direitos que são considerados comuns às demais pessoas, já que, pela nossa Constituição Federal, não podem haver diferenças depreciativas em relação a estes grupos sociais.

Porém, ainda que tenhamos a previsão da lei penal nacional, para a aplicação da extraterritorialidade, o crime deve ser punido também no pais onde foi praticado e o autor do racismo precisaria vir ao Brasil, pois a aplicação extraterritorial da lei brasileira depende de uma série de condições, que precisam ser todas cumpridas.
Deste modo, serve de pressão política internacional para que não só a Espanha, mas o próprio Brasil possa melhorar seus mecanismos de prevenção aos crimes de preconceito e discriminação, através de ações educativas e inclusivas, mantendo-se sempre a representatividade desses grupos em espaços de visibilidade e poder, para que, ao longo dos anos e com a devida fiscalização (por meio de câmeras e monitoramento interno dos estádios), bem como com efetiva punição dos infratores, as pessoas do mundo todo possam compreender que cores de pele ou traços raciais não definem o caráter das mesmas e, por isso, não podem servir como pretexto de exclusão ou diminuição do seu apreço ou reputação sociais.
Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia

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