Fiança como garantia dos contratos de locação e a insegurança jurídica

“Só aceite fiador que comprove ser proprietário de mais de um imóvel, além daquele que reside ou que o imóvel que tem não é residencial”

No momento de celebrar um contrato de locação, uma das questões mais importantes é definir se o contrato será ou não provido de garantia. Isto porque não colher garantia alguma pode ser uma opção na exata medida em que eventual falta de pagamento do inquilino nessa hipótese permitirá o despejo com liminar para desocupação do inadimplente no prazo de quinze dias. Por outro lado, se o contrato de locação for garantido por uma das modalidades previstas na Lei do Inquilinato, não cabe liminar na ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis e encargos.

Todavia, na prática, muitas vezes não é possível dispensar a garantia. Pode ser importante, por exemplo, para o locador, que o imóvel locado seja restituído em prefeitas condições pelas suas características. Seja como for, havendo exigência de garantia no contrato de locação, a fiança é sempre a primeira opção. E diversas são as razões: muitas vezes é concedida pelo fiador por vínculo de parentesco ou de amizade com o inquilino, o que pode representar vantagem em relação ao seguro fiança e à caução em dinheiro que custam, ou mesmo em relação à caução de bens móveis ou imóveis que tornam o bem concedido de difícil liquidez, justamente por garantir a obrigação do inquilino.

Lembre-se que a fiança é uma garantia pessoal, isto é, o próprio fiador garante a obrigação com o seu patrimônio – aquele que tiver quando for acionado – não havendo um bem específico que garanta a locação. Aliás, um equívoco muito comum é mencionar no contrato que o “fiador dá como garantia o seu imóvel assim caracterizado…”, posto que, colocado nesses termos no contrato, pode permitir ao Poder Judiciário entender que há dupla garantia, o que é infração de natureza penal e sujeita o locador a multa de três a doze aluguéis.

O imóvel do fiador pode até ser mencionado, mas como prova da sua capacidade econômica naquele momento e não como garantia. Feita essa introdução, se a opção for pela garantia fidejussória (fiança), surge uma dúvida: se o fiador for acionado pela dívida, pode alegar que o seu imóvel, onde reside, é bem de família e, portanto, não pode ser penhorado?

O assunto chegou a ser polêmico, até que, em 2006, o STF analisou a questão sob o prisma constitucional e decidiu, naquela ocasião, que não havia qualquer inconstitucionalidade, fundada no direito de habitação como direito social, na lei do bem de família que textualmente exclui o fiador de contrato de locação da sua esfera de proteção.

 “Os locadores podem aceitar fiadores de contrato de locação com um só imóvel, pois esses fiadores não terão proteção da lei do bem de família, tal qual lá está claramente escrito”, ressaltou o STF, e completou: “o direito social de habitação previsto na Constituição não leva à interpretação segundo a qual a exceção da proteção ao fiador de contrato de locação é inconstitucional”. Depois disso, a jurisprudência se pacificou. Os tribunais estaduais simularam o assunto nesse sentido. O STJ idem.

A coisa andava muito bem até que no fatídico dia 12 de junho de 2018 – 12 anos depois – o STF voltou atrás em decisão de órgão fracionário (segunda turma), sustentando que, se a fiança tiver sido concedida em locação de imóvel não residencial, prevalece o direito social de habitação do fiador, direito social esse previsto na Constituição, em detrimento da garantia que ele espontaneamente concedeu.

Dessa forma, foi decidido em benefício dos fiadores que, se a fiança tivesse sido concedida em contrato de locação não residencial, o fiador poderia alegar a proteção do bem de família e excluir qualquer penhora que recaísse sobre o imóvel da sua residência (ou que servisse para tanto). Foi o que faltava para milhares de fiadores de contrato de locação não residencial passassem a alegar exclusão do seu imóvel da penhora nos processos nos quais eram acionados para satisfazer o débito dos inquilinos afiançados. Diante disso, a instabilidade e a insegurança jurídica foram instauradas.

Decisões para todos os gostos passaram a ser proferidas pelos tribunais estaduais, inclusive algumas negando a mesma solução do STF por alegarem que a decisão de 2006 foi tomada pelo plenário e a de 2018 por órgão fracionário (segunda turma) em caso específico. Ou seja, uma verdadeira bagunça se instalou no mercado.

Mais recentemente, no início de 2020, a segunda turma reconsiderou (novamente) e passou a decidir que o fiador não tem proteção. Ocorre que precedentes da Primeira Turma, invocando o julgamento da Segunda Turma de 2018 – aquele que dizia que o fiador de contrato de locação não residencial tem proteção do bem de família – passaram a julgar naquele sentido de 2018, desconsiderando o fato de a Segunda Turma ter voltado atrás e ter decidido que o fiador não tem proteção. Em resumo, nem o STF se entende. Então você pode me perguntar: o que eu faço?

Dada a instabilidade gerada no mercado pelo STF que ora diz uma coisa e ora outra, aplique a velha máxima: “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.” Só aceite fiador que comprove ser proprietário de mais de um imóvel, além daquele que reside ou que o imóvel que tem não é residencial.

Faça isso, por enquanto, mesmo que a locação seja residencial, ainda que essas decisões não tratem dessa espécie. Lamentavelmente é o que o STF está a exigir do mercado dada a insegurança jurídica que, por suas decisões, o Brasil está sendo submetido.

 

LUIZ ANTONIO SCAVONE JUNIOR

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