STF tem mais um voto para descriminalização do porte para consumo pessoal de maconha: RE 635659

Nesta quarta-feira (2/8/23), o Supremo Tribunal Federal (STF) deu seguimento ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659  que possui repercussão geral (Tema 506), sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei de Drogas – Lei 11.343/2006).

O voto da tarde foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes que, inclusive, propôs a fixação de um critério nacional, exclusivamente em relação à substância conhecida como “maconha” (Tetrahidrocanabinol), para diferenciar usuários de traficantes.

De acordo com o Min. Alexandre, o crime previsto no artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) apesar de não punir com prisão o porte de drogas “para consumo próprio”, não é capaz de definir critérios objetivos para diferenciar o que seria uma situação de consumo próprio e o que seria uma de tráfico.

A falta de definição legal sempre fica a cargo dos órgãos do sistema de justiça criminal, tais como a Polícia Militar, Polícia Penal, Judiciária, o Ministério Público e Judiciário.

Isso tem gerado, desde que a lei 11.343/2006 foi sancionada, uma série de distorções devido às formas diversas de interpretação legal.

É comum na prática forense penal verificar que nem sempre o porte de pequena quantidade de entorpecentes seja enquadrado como art. 28 da Lei. Em várias situações, ter pouca droga consigo pode ser capitulado penalmente, como tráfico de drogas.

Quando tipificado o caso como tráfico, previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, mesmo que com pequena quantidade de drogas, isso gera uma punição mais endurecida e, com isso, os presos acabam passando mais tempo de pena nos presídios.

Observou-se também na fala do voto do referido Ministro que, há distorções entre pessoas presas com a mesma quantidade de droga e em circunstâncias semelhantes podem ser consideradas usuárias ou traficantes, dependendo da etnia, de nível de instrução, renda, idade ou de onde ocorrer o fato.

A causa dessas distorções de tratamento quanto ao porte para consumo pessoal e o tráfico seria o excesso de liberalidade ou discricionariedade das autoridades envolvidas para diferenciar os chamados “usuários” dos “traficantes”.

O ponto de (in)constitucionalidade abordado foi em relação ao princípio da isonomia, que, na visão do Min. Alexandre de Moraes, “o STF teria o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”.

Os parâmetros propostos no voto do Min. Alexandre em relação à presunção legal de usuário de drogas seria para aqueles que forem encontrados com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis “plantas fêmeas”.

As plantas fêmeas são aquelas que desenvolvem pré-flores. As plantas macho não produzem flores. Ao invés, produzem sacos de pólen que se abrem e dispersam o pólen no ar. Quando esta substância aterra nas flores fêmea, estas ficam fertilizadas e começam a formar sementes.

Esses dados segundo o Ministro não são aleatórios, pelo contrário, foram apresentados a partir de levantamento que realizou sem conjunto com a Associação Brasileira de Jurimetria que abrangeu mais de 1,2 milhão de ocorrências com substâncias entorpecentes.

De acordo com o referido ministro, a autoridade policial não estaria impedida de realizar a prisão em flagrante por tráfico quando a quantidade de maconha for inferior ao limite sugerido pelos dados levantados, porém, para a capitulação do tráfico, valem os critérios legais norteadores: qual era a forma de acondicionamento da droga?; haviam diversos tipos de entorpecentes como se fosse um “mostruário de venda”?; houve apreensão de instrumentos para a fabricação e venda, bem como aparelhos celulares com possíveis dados de contatos de compradores de drogas que afirmam a mercancia?

Além disso, importante destacar que os indivíduos que forem encontrados com quantidade superior aos limites traçados pelos critérios ali expostos poderão alegar a condição de usuário ou dependente químico em audiência de custódia com outros elementos probatórios e isso não impediria, em algum caso, a liberdade provisória de forma taxativa e irredutível. Mas é claro, fixaria-se um “standard probatório” importante para equalizar situações para uso e tráfico.

Por sua vez, o Ministro Relator do presente Recurso Extraordinário, Gilmar Mendes, após o voto do Min. Alexandre de Moraes, determinou a suspensão do presente julgamento para construir uma “solução consensual” já que muita coisa mudou desde 2015 na época onde ele tinha apresentado seu seu voto, que também foi pela descriminalização (não só de maconha como de outras drogas para consumo pessoal). Uma dessas mudanças foi a Lei 13.964/2019 que instituiu a chamada “Audiência de Custódia” dentre outras questões relacionadas às regras para progressão de regime para o tráfico de drogas e outros crimes equiparados a hediondos.

Recapitulemos que tanto o ministro Luís Roberto Barroso quanto Edson Fachin já haviam votado pela descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal – APENAS DE MACONHA, divergindo um e outro quanto aos critérios para diferenciar traficantes de usuários, já que o primeiro já sugere e o segundo relega ao Congresso Nacional a tarefa legislativa.

Até o momento já são quatro votos a favor. Ainda faltam mais 7 ministros a votarem. Apesar de a presidente do STF não marcar para quando retoma o julgamento, ela afirmou que quer apresentar seu voto antes de se aposentar em setembro.

Enquanto isso, aguardemos as comissões do Congresso Nacional debaterem, igualmente, o assunto – que é altamente complexo e cheio de carga moral para além das questões jurídicas e de saúde pública.

Fonte: STF. 10/9/2015 – Suspenso julgamento sobre porte de drogas para consumo próprio. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=299484&ori=1 . Acesso em 02.08.2023.

Por Rafhaella Cardoso Advocacia

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