Lei Henry Borel: proteção às crianças e adolescentes menores de 14 anos

“As crianças, quando bem cuidadas, são uma semente de paz e esperança.” (Zilda Arns Neumann)

“Todas as pessoas grandes foram um dia crianças (mas poucas se lembram disso)”, afirmou Antoine Saint Exupery (1943, p.1), autor do clássico “O Pequeno Príncipe”.

É fato que para um desenvolvimento saudável, crianças e adolescentes precisam de AFETO, CUIDADO, PROTEÇÃO.

Precisam de uma casa, de roupas que as protejam do frio, de alimentos suficientes que favoreçam seu crescimento saudável e de pessoas que atendam às suas necessidades e as protejam de quaisquer males dos quais elas possam estar sujeitas.

No Brasil as pesquisas sobre as diversas formas de violência que envolve crianças e adultos no ambiente doméstico ainda são precárias e dificultam a dimensionar a REAL situação com a clareza necessária para produzir intervenções que ultrapassem a punição e a repressão (RIBEIRO et al., 2018).

De 2020 para 2021 observa-se um discreto aumento no número de registros de estupro de crianças e adolescentes, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós. Para saber mais, veja os dados do último Anuário de Violência Infanto-Juvenil em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf .

Nesta semana, um fato chocou as famílias brasileiras com a notícia de que uma bebê de apenas 27 dias morreu após ser estuprada pelo próprio pai, em Araruama, na Região dos Lagos do Rio. O homem foi preso pela Polícia Civil no sábado, 11, durante o enterro da criança. Um laudo do Instituto Médico-Legal (IML) confirmou o crime. Em depoimento aos agentes da 118.ª DP (Araruama), o homem alegou que a bebê passou mal enquanto dormia com ele, na noite de quinta-feira da semana passada. Ainda segundo a versão do pai do acusado, ele tentou acalmá-la, mas ela acabou morrendo.  (Fonte: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/02/14/bebe-de-27-dias-morre-apos-ser-estuprada-em-araruama-no-rio-pai-e-preso.htm?cmpid=copiaecola )

Notícias como esta acabam com o nosso dia e nos fazem repensar em como prevenir e coibir a violência contra crianças e adolescentes para que tenhamos a diminuição efetiva desses casos odiosos.

A seguir, algumas das importantes legislações recentes sobre o tema, a chamada: “Lei Henry Borel” e suas repercussões jurídicas.

 

1.   COMO SURGIU ESTE NOVO DISPOSITIVO LEGAL NA LISTA DOS CRIMES HEDIONDOS?

 

No caso que deu origem ao nascimento da chamada “Lei Henry Borel” (Lei nº 13.344/22), você leitor encontrará uma história muito triste e trágica, que levou ao fim precoce de uma criança de apenas 04 (quatro anos) de idade, no estado do Rio de Janeiro no ano de 2021. E que para sua partida não fosse em vão, mas pudesse mudar a estimativas dos crimes recorrentes contra este público mirim, foi criada esta Lei que incluiu aos crimes hediondos, a violência doméstica sobre os autores que vierem praticar este ato violável à vida tão pequena, e indefesa.

Neste contexto, inflada pela perplexidade de parte da população brasileira com o caso em específico, nasceu a Lei Henry Borel, criando mecanismos PUNITIVOS de enfrentamento à violência doméstica familiar contra a criança e ao adolescente especificamente, nos moldes da Lei Maria da Penha.

A partir de agora, não poderão mais ser utilizadas as normas jurídicas relativas aos juizados especiais, como a conversão de sentenças em cestas básicas ou multas, cumprimento por serviços comunitários, etc.

Se vierem a mexer com nossos pequeninos, a pena aumenta em dois terços se o autor do crime for pai, mãe, padrasto, madrasta, tio, irmão, companheiro, professor, tutor, empregador ou alguém que exerça autoridade sobre o menor.

Uma realidade que é totalmente vil, repugnante e totalmente repudiável, pois jamais se espera algo desta natureza vindo dos ascendentes tão próximos desses menores, mas que não deixa de existir.

Esta é uma lei que passa a proteger as crianças e adolescentes daqueles que deveriam ser, naturalmente, os seus protetores, o seu porto seguro, os heróis daquelas pequenas vidas.

 

1.1        O QUE A LEI “HENRY BOREL” DEFINIU?

 

A Lei definiu uma série de medidas a serem seguidas pela rede de atendimento às crianças, como a articulação das ações e o compartilhamento de informações e outros meios de evitar e enfrentar a violência.

As medidas protetivas foram asseguradas na esfera policial, onde chegam as ocorrências de violência e surgem situações com evidência do risco à saúde e vida, e na esfera judicial, onde é possível a concessão sem nem mesmo ouvir o Ministério Público, devendo ser decidida em até 24 horas.

Outra medida trazida pela Lei é a obrigatoriedade de testemunhas denunciar atos de violência por meio do Disque 100, cuja ligação é gratuita e pode ser anônima. O serviço funciona em todo o país e encaminha as denúncias para os conselhos tutelares ou autoridades policiais.

A Lei Henry Borel passou a prever como qualificado e hediondo o homicídio contra menores de 14 anos cuja pena é de reclusão de 12 a 30 anos, prevendo, ainda, causas de aumento da pena em determinadas circunstâncias, como, a título meramente exemplificativo, quando a vítima é pessoa com deficiência ou doença que aumente sua vulnerabilidade.

A Lei de Crimes Hediondos – Lei 8.072/1990 impõe ao apenado por esse crime: 1) a impossibilidade de pagamento de fiança ou obtenção de indulto, anistia ou graça que torna mais dura a condenação; 2) que cumpra sua pena em regime inicialmente fechado, e, 3) para a progressão de regime prisional em crimes hediondos, a lei exige o cumprimento de pelo menos 40% da pena imposta, podendo esse percentual chegar a até 70%, a depender se o apenado é primário ou reincidente e de acordo com alguns crimes considerados de maior gravidade, conforme os percentuais trazidos pelo “Pacote Anticrime” (Lei 13.964/2019).

Em suma, para fins de punição, espera-se que essa modificação legislativa seja fator para prevenir novos delitos, em que pese a inefetividade da lei de crimes hediondos para reduzir a reincidência em geral.

E, por trazer um tratamento mais rigoroso para o apenado, esta lei não pode retroagir para abarcar crimes cometidos anteriormente à vigência da nova Lei, pois no Direito vige a regra de que a lei mais gravosa só se aplica a fatos ocorridos após a sua existência, jamais podendo atingir fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor.

 

2.   DADOS REVELAM O CRESCENTE NÚMERO DE DENÚNCIAS COM O SURGIMENTO DA PANDEMIA, QUANDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES SE MANTIVERAM CONFINADOS EM SUAS CASAS

 

Como citado acima, em 2021, no auge da pandemia, foram registradas mais de 119 mil denúncias de violência contra crianças e jovens com apenas uma ligação para o 100. A pessoa ainda que não denunciar, sendo provada sua omissão pode ser punida com três anos de prisão.

A lei também estabelece que, se a vida ou a segurança de um menor estiver em perigo iminente, o infrator deve ser imediatamente removido da casa ou de outro local frequentado pelo menor.

As medidas de proteção podem ser tomadas pelo Juiz ou mesmo pela Autoridade Policial. Entre as propostas aprovadas e incluídas na lei, por sugestão da senadora Daniella Ribeiro, está a obrigatoriedade de informar a favor da proteção da criança ao banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que outras autoridades policiais possam visitar rapidamente, que já vinha acontecendo no caso de Lei Maria da Penha.

Essas informações também serão compartilhadas com o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema de Justiça e Segurança, preservando a identidade das vítimas e seus relatores.

 

3.   POR FIM, VAMOS COLABORAR, SE VOCÊ PRESENCIAR ALGUMA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, NÃO PERCA TEMPO PARA DENUNCIAR, VOCÊ PODE SALVAR VIDAS!

Constatada a existência desse novo sistema normativo no Brasil acerca da proteção à criança e ao adolescente, nada adiantaria se não fossemos nós – enquanto sociedade civil e cidadãos – os demandados mais importantes para fazer valer este dispositivo que trouxe a Lei Henry Borel para a eficácia que trata da violência contra a criança, nos seguintes pontos:

  • na implantação de modelo de registro de informações sobre casos de violência contra a criança e ao adolescente;
  • na ampliação da assistência à criança e ao adolescente, em sentido amplo;
  • na instituição das medidas protetivas em favor da criança e do adolescente em situação de violência doméstica e familiar;
  • na instituição   de   medidas    protetivas   que    promovem   a parentalidade positiva;
  • na previsão de descumprimento de medida protetiva de urgência em favor da criança como novo tipo

Portanto, de nada adiantaria uma nova lei se esta não procederemos à sua difusão e sua análise integrativa para que o enfrentamento da violência doméstica contra a criança e ao adolescente seja, primeiramente, identificado pelas próprias crianças e pessoas próximas e, em segundo plano, para então, após esta denúncia, a aplicabilidade da Lei seja uma contribuição, uma cooperação valiosa que salva vidas, tal a finalidade após a sua aprovação.

Apesar disso ainda se nota que o devido processo judicial tem protocolos e burocracia formal a serem seguidas, que mesmo sendo céleres podem ser intempestivas numa situação de risco que pode se agravar em minutos, como é o caso da violência sexual e violência à vida.

Será preciso que os órgãos de defesa de direitos dessas camadas sociais, tais como: Conselho Tutelar, o Ministério Público, o Judiciário e as Delegacias de Polícia da Mulher e da Infância e Juventude, atendam e encaminhem com prioridade absoluta as situações de violência e violações de direitos, inclusive para o encaminhamento do acompanhamento psicossocial e jurídico das vítimas envolvidas.

Desta forma, a Lei Henry Borel pode sim ser considerado um avanço no destaque e visibilidade ao enfrentamento dessa violência silenciosa, ao instituir de forma expressa, a medida protetiva de urgência em favor da criança e adolescente, e, específica para a situação de violência doméstica intrafamiliar, CONFERINDO IMEDIATICIDADE NA TOMADA DE DECISÃO PARA INTERRUPÇÃO DA SITUAÇÃO DE AGRESSÃO E PROTEÇÃO INTEGRAL DA VÍTIMA.

Em situações que os vizinhos, professores, cuidadores ou parentes próximos percebam diferenças no comportamento das crianças, façam denúncia anônima e disquem 100!

 

Por Rafhaella Cardoso e Jéssica Rodrigues Amaral, Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia.

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