Relacionamento Abusivo: do BBB para a vida real

1 – No BBB, a polêmica sobre o Relacionamento Abusivo envolvendo a eliminação do participante Gabriel Fop, trouxe um cenário experimentado diariamente por muitos(as) brasileiros(as). Como identificar um relacionamento abusivo?

Atualmente, não só pela fala do apresentador do Programa mais comentado do momento – o Big Brother Brasil – na eliminação do participante Gabriel Fop, que teria demonstrado alguns comportamentos verbalmente agressivos com a então, parceira, Bruna Griphao, há muito se fala sobre relacionamentos abusivos, tanto na imprensa quanto nas redes sociais.

Como a personalidade de uma pessoa não pode ser prevista apenas pela observação superficial ou como ela se apresenta para terceiros, infelizmente, hodiernamente é fácil cair em um relacionamento romântico complicado. Seja pelos tempos estranhos de incremento de doenças psicossociais (ex. bipolaridade, ansiedade, depressão etc.) e pelo cenário de “amores líquidos” em que vivemos, onde nada é feito para durar, seja porque o ser humano carrega consigo traumas e vivências que revelam sentimentos que a outra parte alimenta sejam difíceis de se livrar, mesmo que o relacionamento não seja ou esteja recíproco e bom.

A violência do parceiro(a), seja ele homem ou mulher, cis ou trans, binário ou não-binário, pode assumir muitas formas. Muitas vezes é uma mistura de diferentes tipos, cada um com o potencial de querer destruir a autoestima e a autoconfiança do(a) parceiro(a). Os abusadores x abusados emocionalmente tendem a seguir um ciclo conhecido como “ciclo de abuso” ou “espiral de violência” (especialmente no caso da violência de gênero, que ainda se revela, estatisticamente, a maior quantidade desses acontecimentos).

Nesse ciclo ou espiral há situações descritas como pequenos comportamentos depreciativos, agressivos, de possessividade e ofensivos, seguidos de comportamentos, aparentemente, benevolentes ou de “lua-de-mel”. Nessa fase do aparente arrependimento do abusador podem se incluir episódios de: elogios inesperados, presentes, viagens, festas, surpresas românticas ou qualquer coisa que seu parceiro(a) goste e que se sinta “amado” e volte à teia de dominação de forma passiva. Esta é uma maneira eficaz de reconquistar a confiança da outra parte.

Na sequência, o ciclo continua. E pode, ao passar do tempo, culminar com formas de violência física ou outras mais graves, inclusive a morte do parceiro(a), como acontece no feminicídio, instância última de sentimento de propriedade em que o abusador não permite que a vítima possa viver sem a presença dele, como se fosse uma mercadoria: “não é minha, não será de mais ninguém”.

Ressalta-se, mais uma vez, que qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser vítima ou agressor em um relacionamento tóxico ou abusivo, neste aspecto, as questões de gênero apenas são mais acentuadas, mas até mesmo em relações homoafetivas há relatos de sujeição e dominação, típicas da abusividade vivenciada em grande parte de relacionamentos heterossexuais.

 

2 – Quais são os tipos mais comuns de abuso?

 

2.1 – O Abuso Psicológico ou Moral

 

O abuso emocional ou psicológico inclui humilhação constante, seja em público ou em casa, quando os terceiros e parentes até mesmo nem cogitam ocorrer. Um agressor(a) isola a vítima de seus amigos e familiares, controla a  sua agenda, o seu patrimônio, suas roupas e o ameaça quando você o desmascara e o reconhece como abusador.

O abusador menospreza sua capacidade profissional, mental, física ou afetiva, abala sua autoconfiança te faz criar dúvidas acerca de si mesmo, de seus valores, de sua inteligência e de seus sentimentos, sejam eles de forma direta ou de forma inconsciente, tudo que possam afetar sua reputação e idoneidade.

Há situações reportadas no vocábulo inglês que denotam esses comportamentos de manipulação em relacionamentos abusivos, já vivenciados por muitas pessoas: 1) gaslighting; 2) mansplanning e o 3) manterrupting.

O gaslighting é identificado com comportamentos em que o abusador manipula a vítima fazendo com que ela acredite estar ficando “louca” ou fazendo ela desacreditar de si mesma, como se estivesse perdendo a racionalidade e fosse o abusador o sensato. São exemplos clássicos quando a mulher identifica o abuso e o abusador diz: “você tá louca” ou “você tá viajando”, ou ainda, “minha ex era louca”.

O mansplanning são situações em que o abusador passa a querer explicar ideias e conceitos como se a abusada não tivesse condições técnicas ou profissionais de ser responsável, quando, na verdade, ela tem domínio e capacidade intelectual ou moral até maiores do que a dele. Situações típicas de um homem sem capacidade técnica querer explicar para uma mulher CEO o que é o correto, desmerecendo toda sua capacidade profissional.

O manterrupting pode ser identificado quando o abusador interrompe a vítima e não a deixa concluir suas ideias e exposições, sempre como se o que esta fosse falar não fosse importante, gerando seu descrédito perante os outros. Exemplificando: uma mulher começa a falar sobre algo e o homem a interrompe e não a deixa finalizar o assunto, ou interpela e ela acaba perdendo a linha de raciocínio.

2.2 – O Abuso verbal, físico ou sexual

O abuso verbal envolve situações de violência verbal expressa, composta de: palavrões, gritos, brigas e linguagem obscena. Tudo o que é dito serve para fazer a vítima do relacionamento se sentir mal ou para criar sentimentos ruins como raiva, ressentimento ou tristeza. Ou mesmo, através de chantagem emocional que o faz se sentir culpado.

Já a agressão física é a forma de violência mais frequente nas relações interpessoais. Isso pode acontecer repentinamente ou, mais comum, ocorre depois que seu parceiro (a)  já o submeteu às outras formas de abuso emocional, psicológico ou verbal.

Envolve atos de uso de força física, tais como: empurrar, bater, chutar, socar e qualquer contato físico repentino projetado para causar dor ou impor limitação da liberdade de ir e vir. Uma reação violenta fisicamente durante uma discussão por algo corriqueiro ou simples, provavelmente, levará o abusador a um comportamento mais agressivo  no futuro.

Além do estupro, a agressão sexual inclui toques indesejados e outros atos e práticas sexuais impostos e nem sempre consentidos pelo(a) parceiro(a). É possível que os(as) parceiros(as) nesse tipo de relacionamento sofram abuso sexual, embora muitas vezes não seja considerado uma possibilidade.

Situações também relacionadas à autodeterminação do parceiro quanto à reprodução sexual, como o uso de preservativos ou a imposição de sexo não seguro, também podem ser vivenciadas, como no caso da prática denominada de “stealthing”, que consiste na retirada do preservativo durante a relação sexual, sem o consentimento da outra pessoa. Seja porque o parceiro alega não sentir prazer com o preservativo, seja porque ele assume o risco de expor a parceira à gravidez ou doenças sexualmente transmissíveis, de forma irresponsável.

Só porque alguém está namorando ou casado não se dá garantia de relações à revelia sem consentimento.

 

3 – Quando é preciso buscar ajuda em caso de relacionamento abusivo?

 

Obviamente, o comportamento do seu parceiro é um sinal muito claro de toxicidade do relacionamento, mas seus sentimentos e pensamentos também são importantes “bandeiras vermelhas”.

Em teoria, as pessoas iniciam relacionamentos jamais pensando em sofrer ou serem manipuladas, muito pelo contrário, todos que se relacionam assim o fazem porque, muitas vezes, idealizam no parceiro valores importantes para sua vida afetiva (beleza, fidelidade, sexualidade, estabilidade financeira ou emocional etc.); ou porque estão muito carentes emocionalmente pelos abusos sofridos na infância ou de relacionamentos anteriores e querem ser “amados”, ou mesmo porque estão apaixonadas por seus parceiros(as), e, logicamente, porque acreditam existir algum sentimento profundo que faça perdurar a continuidade, ainda que em uma relação perigosa.

O sentimento é tão forte que querem passar o resto de suas vidas (ou a maior parte do tempo) um com o outro. Quando há problemas para além das discussões de ideias de forma pacífica, e, passam a ser problemas inusitados no relacionamento, como agressão física e possessividade, já não é mais saudável, não é mesmo?

O(a) parceiro(a) abusado(a) começa a se sentir cansado(a), assustado(a) e confuso(a), e começa a duvidar de sua verdadeira identidade, de sua essência, até mesmo do seu caráter, criando um falso panorama em que começa até mesmo a acreditar que aquilo acontece por ele(a) ter feito algo, ou por ter assumido esta escolha um dia, desta pessoa que te machuca, te mantém como em uma prisão sem grades. Acredita que esta é a forma de amor legítima, que conheceu com seus pais ou que merece viver na vida.

São estes esses sentimentos negativos onde mora o perigo, onde a vítima se vê em um ciclo, um loop sem fim.

Identificar estes primeiros sinais internos de “Socorro!”, é um dos passos mais importantes, que podemos chamá-los de “nossas bandeiras vermelhas” que simbolizam um pedido de ajuda e que não devem ser ignorados. O primeiro aceno vem de dentro de nós mesmos, mas costumam passar, muitas vezes, despercebidos.

Há algumas principais indagações que podem surgir ainda como dúvida, de que o que acontece no seu relacionamento pode estar sendo uma fantasia da sua mente, uma loucura, talvez? Não se deixe enganar por falsos argumentos “fantasmas” que possam surgir neste quesito:

  • Você quer saber se está faltando lucidez;
  • Você começa a se perguntar se a sua mente está criando uma realidade inalcançável para sua vida em querer deixá-lo sem um motivo forte o bastante;
  • Você se sente pequeno(a) e insignificante o tempo todo;
  • Sua autoconfiança é muito baixa;
  • Você perde a vontade de conversar com amigos e familiares porque seu parceiro fala que eles não te amam e não prestam;
  • Você está constantemente buscando a aprovação de seu parceiro(a) para tudo que venha fazer, se anulando em todas as formas de existência;
  • Você acha que ninguém vai te amar de verdade, exceto seu parceiro(a);
  • Conversar com seu parceiro torna-se difícil. Às vezes, você tem medo de abordar um determinado tópico;
  • Encontra desculpas espertas para explicar o comportamento incomum de seu parceiro(a), tenta justificar que isto é comum, nada errado está acontecendo;
  • Suas mentiras para seus entes queridos se multiplicam;
  • Você também mente para si mesmo(a) dizendo que está tudo bem, mesmo sabendo que o que está passando está se tornando cada vez pior;
  • Você deixa de trabalhar ou fazer algo que gosta por causa do seu parceiro(a).

 

4 – Quando e como terminar um relacionamento abusivo?

 

Terminar um relacionamento abusivo ou não, nunca foi uma tarefa fácil. Mas nos relacionamentos abusivos parece ainda mais difícil na prática, por vários fatores – o que não deixa de ser possível, pois é talvez a medida mais necessária para evitar agravamentos maiores futuros.

Em um relacionamento abusivo, uma pessoa ainda pode acreditar ter algum amor por seu parceiro(a). Isso porque a pessoa muitas vezes possui a ilusão e a chama interna de acreditar que um dia que ele(a) possa mudar. Isso pode perdurar por anos na expectativa, sem grandes ou efetivas mudanças para melhor.

Com a autoestima fragilizada devido aos “pequenos e diários” abusos “toleráveis”, a vítima então passa à fase de aprisionamento.

Seguramente quem já vivenciou um relacionamento abusivo e saiu dele, sabe que não conseguiu sair da relação com uma conversa calma ou na primeira tentativa. São recorrentes os “relacionamentos iôiôs”, aqueles que terminam e voltam com certas características cíclicas de promessas de mudanças e, logo após, situações até mesmo piores do que as anteriores.

Isso porque há um simulacro de co-dependência do(a) parceiro(a). É criada até mesmo para que a pessoa pense que não conseguirá se encontrar, encontrar novas pessoas ou que não conseguirá viver sem aquele tipo de relacionamento. Como uma substância entorpecente, ela tem uma leve sensação de “abstinência” das manipulações ou atos abusivos porque se confunde com zelo ou cuidado.

Pessoas que vivem esta realidade, têm medo do futuro, de ficarem sozinhas, de nunca mais ser amadas, de serem rejeitadas. Sabotando assim, sua mente, colocando sentido onde não tem, e, fazendo continuar a suportar todos os abusos sofridos.

Por fim, estas e outras questões podem influenciar a decisão de rescindir, como, na maioria das vezes, questões sócio-patrimoniais, tais como: a dependência profissional ou financeira; a valoração da pensão alimentícia; a mudança e diminuição do padrão de vida e emocional dos filhos; a falta de uma rede de apoio para cuidar dos filhos; a idealização de um casamento duradouro – já que era um projeto de vida ser feliz para sempre -; as opiniões e fofocas de amigos e dos próprios familiares que irão julgar e se afastar do que optou por romper a relação etc. Estas são algumas das razões pelas quais, na maioria das vezes, as vítimas de violência doméstica acabando voltando para seus parceiros (ou abusadores).

Jamais diga a uma pessoa que se encontra nesse relacionamento abusivo é que ela “gosta de sofrer” ou que “ela não larga porque é fraca emocionalmente”. Ninguém gosta de ser diminuído, humilhado ou maltratado. Infelizmente, os inúmeros fatores que condicionam as pessoas a se manterem, podem privar uma pessoa da perspectiva de  uma vida melhor longe do(a) parceiro(a).

 

5 – Como e onde procurar ajuda?

 

Primeiramente, procure se ouvir e reconhecer suas dores. Métodos de autoconhecimento ajudam em muito a identificar a situação de abusividade e a procurar buscar o autoamor e a autoestima para além dos traumas e dificuldades pessoais.

Procure por pessoas com Escuta Especializada e Empática. Sejam elas seus amigos(as) de confiança ou profissionais da área da Psicologia que irão te apoiar a tomar a decisão no tempo que precisar para tanto.

Caso haja algumas precauções a serem tomadas quanto a questões financeiras e emocionais, procure os profissionais da rede pública ou particular que possam orientá-lo na tomada acertada da decisão, resguardando seus direitos e sua estabilidade emocional.

É de suma importância, quando há interesses patrimoniais ou de filhos, que a consulta ao profissional da Advocacia que tenha domínio em Mediação e Resolução de Conflitos, seja parte dessa decisão, pois muitas vezes esse é o grande entrave pelo qual casais se mantém em relacionamentos abusivos duradouros.

Pessoas que estão em relacionamento violento de gênero, por exemplo, podem ligar para o Núcleo de Atendimento à Mulher, no DISQUE 180, em caso de emergência ou suspeita de alto risco de violência. O serviço recebe denúncias, encaminha vítimas de relacionamentos violentos para serviços de proteção ou acolhimento e para atendimento psicológico.

A violência também pode ser denunciada por meio do Aplicativo Brasileiro de Direitos Humanos e nas páginas da Defensoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), se a vítima for mulher.

Se a vítima é do sexo masculino e há violência física ou emocional ela também tem o direito de acionar a Justiça para ter seus direitos resguardados, só não irá ser amparada pela Lei Maria da Penha porque esta lei é específica para pessoas do sexo feminino em situação de violência doméstica e familiar nos termos do art. 5º da Lei 11.340/2006.

Há órgãos especializados no encaminhamento dessas denúncias e das redes de acolhimento das vítimas de violência, sejam elas municipais, estaduais ou federais, tais como: as Defensorias Públicas, os CREAS, os CRAS, os CRMs, e, existem mais redes não-governamentais em diversas cidades, promovidas por Universidades ou Entidades que oferecem esse tipo de “apoio”.

Havendo crime, as vítimas podem procurar as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher ou Delegacias de Polícia comum, bem como a DDM On-line, que realiza os BOs de forma virtual, através da Delegacia Eletrônica, sem a mulher precisar ir até uma delegacia física.

Sair de um relacionamento abusivo é difícil, mas não é impossível. Procure a rede de apoio particular ou pública. Cuide das suas emoções e de sua essência, pois, desde muito aprendemos que, para que possamos ser capazes de amar verdadeiramente o próximo, é preciso que amemos a nós mesmos(as) antes.

 

6 – Quais as possíveis punições para quem pratica atos de violência típicos de relacionamentos abusivos:

 

A Lei n. 11.340/2006, chamada Lei Maria da Penha contém importantes mecanismos que podem auxiliar no enfrentamento e na punição da violência doméstica contra a mulher, vítima que mais sofre com relacionamentos abusivos.

Como também esta Lei estabelece as penalidades para o abuso emocional, pode ser uma ferramenta importante para punir a violência resultante do abuso, que pode levar à prisão em alguns dos casos mais graves como os de violência física, sexual e até os enquadramentos de violência psicológica, em recentes julgados.

Caso ocorra qualquer das formas de violência previstas neste dispositivo legal reforça-se (seja física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial), é imprescindível promover, primeiramente, ao registro de um Boletim de Ocorrência, descrevendo todo o histórico da situação com detalhes e com provas pré-constituídas, como “prints” de conversas, imagens, áudios e testemunhas, a fim de que seja instaurado inquérito policial, dando início ao prosseguimento da investigação de crime tipificado na esfera criminal, e, após comprovação, a penalidade resultante dependerá de cada caso, conforme previsto na forma da Lei.

As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 são ferramentas importantes na cessação do ciclo da violência, pois trazem condições emergenciais para o afastamento do agressor do lar, a proibição do seu contato e até mesmo alimentos provisórios, para que a vítima consiga se refazer. Porém, é necessário muito mais que uma medida protetiva em mãos. É preciso não só cuidar da vítima por meio da equipe multidisciplinar, como “reeducar” o infrator, através de acompanhamento e cursos para quebrar o ciclo do abuso.

 

Por: Jessica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso – Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia

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