Após onze sessões de debates intensos, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em 24 de agosto (quinta-feira passada), o julgamento crucial sobre a constitucionalidade da norma do Código de Processo Penal, em seu art. 3º e correlatos, incluída pelo Pacote Anticrime – Lei 13.964/2019, que prevê o juiz de garantias.
Em uma decisão unânime, com 11 votos a favor e nenhum contra, a Corte determinou que essa figura judicial deve ser, obrigatoriamente, implementada em todo o país, no prazo de 1(um) ano, com a possibilidade de prorrogação por igual período.
O início da contagem desse prazo se dará a partir da publicação da ata de julgamento das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 no Diário da Justiça.
A aplicação do juiz de garantias seguirá as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo que os estados, o Distrito Federal e a União terão a responsabilidade de definir o formato nos seus respectivos tribunais.
No entanto, a discussão no STF não foi unânime desde o início.
O relator do caso, o ministro Luiz Fux, inicialmente havia votado pela inconstitucionalidade formal da figura do juiz de garantias, alegando que a iniciativa deveria ter partido do Poder Judiciário. Neste ponto, o placar foi de 10 a 1 contra a sua posição. Entretanto, durante os debates subsequentes, o ministro Fux se alinhou ao restante da Corte em relação ao mérito da questão sobre a criação do juiz de garantias e ao prazo estabelecido.
Até que o juiz de garantias seja efetivamente implementado, haverá uma regra de transição. Isso significa que as ações penais já em tramitação no momento da implantação desse instrumento não serão afetadas e não precisarão se adaptar ao novo modelo.
1 – Mas qual será o Papel do Juiz de Garantias?
O juiz de garantias é um magistrado destinado a atuar apenas na fase de investigação de um processo. Sua função é fiscalizar a legalidade das ações de apuração criminal, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão, sempre com o intuito de garantir os direitos individuais dos investigados.
A criação do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso no chamado “pacote anticrime” e sancionada pelo então ex-presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019.
No entanto, a sua implementação foi suspensa em janeiro de 2020 por decisão do ministro Luiz Fux, que na época era o vice-presidente do STF e relator de quatro ações que contestaram a figura, movidas pelos partidos PSL (atualmente União Brasil), Podemos e Cidadania, além de entidades representativas de carreiras jurídicas, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
2 – Outros Aspectos Decididos pelo STF
Além da implementação do juiz de garantias, o STF tomou decisões importantes em relação a outros pontos relacionados a esse novo modelo. Por maioria de votos, foi estabelecido que o papel do juiz de garantias termina com o oferecimento da denúncia, sem que haja análise sobre seu recebimento ou rejeição. Isso diverge da lei aprovada pelo Congresso, que concedia ao novo magistrado competência para receber ou rejeitar a denúncia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a uma conclusão unânime que estabelece o juiz de garantias como uma opção legítima introduzida pelo Pacote Anticrime (lei 13.964/2019) para garantir a imparcialidade no sistema de persecução penal.
A interpretação consensual do tribunal é que, uma vez que a norma em questão se relaciona ao processo penal, ela não infringe o poder de auto-organização dos tribunais.
De acordo com os novos preceitos, o juiz de garantias desempenhará seu papel exclusivamente na fase do inquérito policial, sendo responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela proteção dos direitos individuais dos investigados. A partir do momento em que a denúncia é apresentada, a competência passa a ser transferida para outro juiz.
Além disso, o consenso foi claro de que o juiz de garantias não terá atuação nos casos sob competência do Tribunal do Júri e em situações de violência doméstica. No entanto, sua atuação será mantida nos processos criminais no âmbito da Justiça Eleitoral.
“Outra determinação que permaneceu inalterada é a regra que proíbe as autoridades penais de firmarem acordos com órgãos de imprensa para a divulgação de informações sobre operações.”
Nesse contexto, o colegiado do STF avaliou que a disseminação de dados referentes a prisões e à identidade de detidos por autoridades policiais, pelo Ministério Público e pelo Judiciário, deve obedecer às normas constitucionais a fim de garantir a eficácia do processo penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa humana.
“Ademais, o tribunal destacou que a nomeação do juiz de garantias deve seguir as regras de organização judiciária de cada esfera da Justiça, com critérios objetivos divulgados periodicamente pelos tribunais.”
3 – Decisão Histórica
Essa decisão histórica do STF não apenas solidifica a implementação do juiz de garantias, mas também estabelece um importante precedente para a preservação dos direitos e garantias fundamentais dos investigados e reduz o risco de parcialidade do julgador no sistema de justiça criminal do Brasil, mormente durante a fase pré-processual (ou seja, na fase de Inquérito ou outras formas legais de investigações preliminares de natureza criminal).
A discussão sobre como essa nova abordagem será implementada e suas implicações práticas agora se tornam um foco crucial para o sistema judicial brasileiro.
Também por unanimidade, os ministros consideraram inconstitucional a previsão de um rodízio de juízes em casos de comarcas com apenas um magistrado, para a implementação do juiz de garantias.
A Corte entendeu que o juiz de garantias deve atuar em casos criminais da competência da Justiça Eleitoral, mas não em processos de competência originária de tribunais, no Tribunal do Júri e nos casos de violência doméstica e familiar.
Outra decisão relevante é que todos os procedimentos investigativos criminais do Ministério Público devem ser submetidos ao controle do Poder Judiciário, e as apurações em andamento devem ser enviadas aos respectivos juízes em um prazo de 90 (noventa) dias, sob pena de nulidade dos procedimentos.
Por maioria de votos, a Corte também determinou que o juiz de garantias pode, em casos pontuais, ordenar diligências suplementares durante a investigação, com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre questões relevantes do caso.
Além disso, ao manifestar-se pelo arquivamento do inquérito policial, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz, podendo encaminhar o caso para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, para homologação.
Gilmar Mendes, durante seu voto, citou o conluio entre alguns procuradores da “lava jato” de Curitiba com o ex-juiz Sergio Moro para defender o juiz das garantias, bem como se referiu à “operação ouvidos moucos”, que tristemente levou ao suicídio do ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Em suas palavras, Mendes asseverou: “Quem acha que tudo isso é normal e que não são necessárias reformas estruturantes para evitar a repetição desses escândalos, certamente não está lendo a Constituição e nem conhece o nosso Código de Processo Penal”. Destacou, por último que, a criação do juiz das garantias tem o condão de criar: “mecanismos indutores da imparcialidade do magistrado, favorecendo a paridade de armas, a presunção da inocência, o controle da ilegalidade dos atos investigativos invasivos, contribuindo para uma maior integridade do sistema de Justiça”.
4 – Da Análise Crítica e Reações dos Juristas em relação ao julgamento
Advogados e especialistas têm elogiado a criação do juiz de garantias, destacando que a separação das fases pré-processual e de instrução do processo contribui para evitar possíveis preconceitos do magistrado em relação ao caso. Eles argumentam que isso garante um sistema penal mais independente e respeitoso aos direitos individuais dos cidadãos.
No entanto, entidades da magistratura e tribunais têm expressado preocupações sobre o impacto financeiro da implementação desse novo modelo. Há vozes críticas em relação à decisão do STF de que o juiz de garantias não deve receber ou rejeitar a denúncia, argumentando que isso compromete a essência do instrumento.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) se posicionou a favor da implementação das determinações previstas na legislação e pediu que o novo modelo seja implantado dentro de um prazo razoável.
Em suma, o encerramento do julgamento do STF sobre o juiz de garantias representa um marco na reforma do sistema judiciário brasileiro, com implicações significativas para o processo penal e os direitos individuais dos cidadãos. A implementação e o ajuste do novo modelo serão acompanhados de perto nos próximos anos, com atenção especial para os desafios práticos e financeiros que possam surgir.
5 – Do Prazo de Implementação da Norma
O mecanismo terá que ser instalado em até 12 (doze) meses; o prazo poderá ser prorrogado uma única vez, pelo mesmo período.
Por Rafhaella Cardoso Advocacia, Jéssica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso