Nesta quarta-feira (31/5) o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello foi condenado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), a uma pena de oito anos e dez meses de reclusão pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, além de 90 dias-multa (de cinco salários mínimos cada), a ser cumprida em regime inicialmente fechado. Ele só não cumprirá pena por associação criminosa porque o STF reconheceu a extinção da punibilidade por prescrição, pois o Código Penal admite que se o condenado tem 70 anos no momento da sentença, os prazos prescricionais são diminuídos pela metade. Como efeitos extrapenais da condenação criminal, ficou determinado que o ex-presidente está impossibilitado do exercício de funções públicas pelo dobro da pena privativa de liberdade aplicada.
A votação do Plenário do STF se deu por oito votos a dois. Segundo o que foi apurado, o ex-presidente Collor teria recebido em torno de R$ 20 milhões de propina para conseguir que a construtora UTC Engenharia pudesse firmar contratos com a empresa BR Distribuidora.
O ministro Edson Fachin, Relator da Ação Penal de competência originária, tinha inicialmente proposto uma pena de 33 anos, dez meses e dez dias de prisão, porém, em seus votos, os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes propuseram a redução da punição para oito anos e seis meses. Alexandre de Moraes e Luiz Fux recomendaram pena de oito anos e dez meses de prisão. Porém, os Ministros Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia sentenciaram o ex-presidente a 15 anos e quatro meses de reclusão.
Além de Collor, outros corréus foram condenados, quais sejam, os empresários Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, cuja pena foi determinada em quatro anos e um mês de prisão e Luís Pereira Duarte de Amorim, que acabou levando a menor das condenações: três anos de reclusão.
O ex-presidente Collor pode ser preso imediatamente ou pode vir a recorrer dessa condenação?
Mesmo tendo sido condenado a uma pena em regime inicialmente fechado, o ex-presidente Collor não irá imediatamente para a prisão porque ele respondeu aos crimes em liberdade e porque o advogado dele, Dr. Marcelo Bessa, ainda vai aguardar a publicação do acórdão para apresentar os recursos cabíveis perante a própria corte do STF.
Porém, a matéria recursal em decisões proferidas pelo plenário do STF não é tão ampla. A Corte precisa decidir se vai aceitar ou não os recursos. Caso aceite, será preciso pautar novamente o caso para julgamento, dessa vez para análise do recurso.
A jurisprudência dos tribunais superiores, assim como o STF e o STJ não reconhecem a incidência do amplo direito ao duplo grau de jurisdição em julgamentos proferidos em Plenário nas ações penais de competência originária dos Tribunais, como foi o caso da Ação Penal n. AP 1.025 STF, que teve início com oferecimento de denúncia, devido à prerrogativa de foro, na mais alta Suprema Corte brasileira, devido ao fato de Collor ser senador à época.
O Regimento Interno do STF, em seu art. 305, determina que: “Não caberá recurso da deliberação da Turma ou do Relator que remeter processo ao julgamento do Plenário, ou que determinar, em agravo de instrumento, o processamento de recurso denegado ou procrastinado”.
Porém, desde o precedente firmado na Ação Penal originária n. 470 do STF, ou seja, o julgamento do “Mensalão”, a Suprema Corte tem compreendido que, caberão sim recursos contra condenações proferidas por ela própria em plenário. São os chamados Embargos, tanto Declaratórios (em caso de omissões, contradições, obscuridades ou erros materiais) quanto os Embargos Infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal, nos termos do Regimento Interno do STF em seu art. 333, inciso i. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta.
Tal compreensão não ressoa incongruente, na medida em que, se a prerrogativa de função tem o condão de qualificar o julgamento daquelas pessoas que ocupam cargos públicos relevantes (julgadas que são por magistrados com maior conhecimento técnico e experiência, em composição colegiada mais ampla), não haveria sentido exigir-se um amplo duplo grau de jurisdição, cuja essência, além da possibilidade de revisão da decisão proferida por órgão jurisdicional distinto, é exatamente a mesma que subjaz ao foro especial, qual seja, o exame do caso por magistrados de hierarquia funcional superior, em tese mais qualificados e experientes. Na visão de precedentes análogos do STJ, assim, como diz um velho brocardo jurídico, “aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus”, porém, sem perder o indelével direito à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição só por ter ocupado cargo público, pois o status libertatis é a máxima a nortear a persecução penal numa democracia.
Em que se baseou o voto do relator para a condenação de Collor?
Os fatos foram iniciados pela investigação da Força-Tarefa da Operação “Lava Jato” e a denúncia contra Collor e outras oito pessoas foi apresentada em 2015. Desde então a Procuradoria-Geral da República acusara o ex-presidente de fraudar R$ 29 milhões num contrato da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras.
De acordo com a peça acusatório, Collor teria solicitado e aceitado promessa para tentar viabilizar – de forma irregular – um contrato da BR Distribuidora para troca de bandeira de postos de combustíveis. De acordo com a PGR, Collor era filiado à legenda PTB e, entre 2010 e 2014, teria indicado nomes para cargos na subsidiária da Petrobras porque apoiava o governo federal.
Na narrativa do Procuradoria da República, Collor e os demais denunciados teriam integrado uma associação criminosa em busca de desvio de recursos e corrupção de agentes públicos, bem como supostas práticas de lavagem de dinheiro.
Em suas defesas, os corréus alegam que as acusações da PGR foram feitas apenas com base em delações premiadas.
No voto do Relator, o Min. Fachin, ainda que concorde que grande parte da denúncia seja baseada em colaborações premiadas, em sua visão, é possível compreender do arcabouço probatório outros elementos de prova que indicassem o cometimento dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Nas palavras do Min. Fachin, teria sido comprovado nos autos que Collor recebeu, com o auxílio do empresário Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, vantagem indevida no valor de R$ 20 milhões como contraprestação à facilitação da contratação da UTC Engenharia pela BR Distribuidora. A colaboração responsável por trazer a narrativa do delito foi feita por Ricardo Pessoa, dono da construtora, e corroborado por outros elementos de prova, segundo o Min. Relator.
Ainda no voto do relator, Collor teria promovido a prática de lavagem de dinheiro promovendo o branqueamento dos valores com a participação de Luís Pereira Duarte de Amorim, diretor financeiro das companhias do então senador, pelos diversos depósitos em espécie nas contas de Collor e de suas empresas.
A culpabilidade do réu, na visão do Min. Fachin, seria intensa pois Collor exerceu por vários mandatos a representação popular, já tendo sido prefeito de Maceió, governador do Alagoas, presidente da república, deputado federal, e, por fim, senador da república, rompendo com a confiança depositada por seus eleitores.
Por fim, além de promover a condenação de outros corréus, o Ministro Relator do caso condenou Collor e os outros empresários a pagarem, solidariamente, a título de indenização por danos morais coletivos, a monta de R$ 20 milhões, bem como impediu-os de ocupar cargo público pelo dobro de suas penas.
Colaborações Premiadas da Operação Lava Jato: as críticas de Gilmar Mendes
O Min. Gilmar Mendes ao proferir seu voto na semana passada havia enfatizado que a narrativa existente contra Collor era baseada apenas em relatos e documentos produzidos unilateralmente pelos delatores da “Lava Jato” Alberto Youssef (o qual Gilmar chamou de “delator de estimação dos lavajatistas”) o doleiro, Rafael Ângulo Lopez, funcionário de Youssef, e Ricardo Pessoa, dono da UTC. Gilmar enalteceu que tais colaborações foram descumpridas, especialmente as de Youssef, e, as demais foram obtidas após prisões alongadas com o fim de se obter tais confissões, ao arrepio da legislação anti-tortura.
O Ministro Gilmar Mendes criticou e baseou sua fala no artigo 4º, parágrafo 16, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), que impõem que as declarações do delator, por si sós, não servem para condenar, já que são meros meios de prova.
Citou os precedentes sobre o assunto no Inquérito 3.994 e na Petição 5.700 do STF, sobre a inefetividade de condenações baseadas exclusivamente em colaborações premiadas e foi voto vencido pugnando pela absolvição de Collor.
Quais são os crimes pelos quais Collor foi condenado?
I – Corrupção Passiva:
Esse crime está previsto no Capitulo I do Código Penal que trata dos crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração.
Ao contrário da corrupção ativa, esse crime só pode ser praticado por funcionário público. Não é necessário que o particular aceite a proposta, basta o simples ato de oferecer é suficiente para que o crime seja configurado.
O funcionário público ainda pode ser punido em caso de ceder a pedido ou influência de terceiro, mesmo não recebendo vantagem.
A pena pode ser aumentada em até 1/3 se o funcionário público realizar o favor ou ato que beneficie o particular.
De acordo com a legislação penal, considera-se “Corrupção passiva”:
Código Penal
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)
Parágrafo 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
Parágrafo 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Por isso a importância de programas preventivos ou de compliance para trabalhar a evitação de comportamentos como esses envolvendo funcionários públicos e pessoas físicas ou jurídicas, para evitar que haja a troca de ofertas e vantagens em prejuízo da Administração Pública.
II – Lavagem de Dinheiro
A Lei nº 9.613 de 1998 descreve o crime de “lavagem” ou ocultação de bens, muito conhecido como lavagem de dinheiro, que consiste no ato de ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores que sejam frutos de crimes.
A expressão “lavagem de dinheiro” surgiu, pois o dinheiro adquirido de forma ilícita é “sujo”, e necessita ter uma aparência de legalidade; ou seja, precisa ser “lavado” (ocultado e transmutado) para parecer “limpo” (lícito).
Outros exemplos desse tipo de crime são: dinheiro obtido com a venda de drogas ilícitas é colocado em sociedade empresarial e torna-se rendimentos de investimentos ou pró-labores, e, também, a compra, com dinheiro ilícito, de obras de arte ou produtos de luxos para revendê-los em seguida, para dar a aparência de um operação comercial legal.
A pena prevista é de 3 até 10 anos de reclusão e multa. A Lei prevê penas maiores para os casos nos quais o crime ocorra de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.
Se o acusado colaborar espontaneamente, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação de outros participantes, ou à localização dos bens ou valores, poderá ser beneficiado com redução de até 2/3 da pena, regime prisional mais brando, não aplicação da pena, ou substituição por penas alternativas.
Nos termos da legislação aplicável, tem-se verbis:
“Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998.
Dos Crimes de “Lavagem” ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Parágrafo 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
Parágrafo 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012).”
No âmbito da Administração Pública, quaisquer valores obtidos ilicitamente e recolocados no mercado por meio de terceiros ou “laranjas” pode, mediante comprovação do “follow the money” (rastro do dinheiro), gerar imputações de lavagem de dinheiro, razão pela qual o dever do funcionário público e daquele que contrata com a Administração Pública é de, cada vez mais, possuir Controles Internos com rigores até mesmo maiores na transparência e eticidade no uso de seus proventos, sob pena de riscos reputacionais quase irreparáveis.
Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia