Estupro ou Relação Sexual Com Consentimento: “O Caso Daniel Alves”

1 – Entenda o caso que levou o ex-jogador lateral da seleção brasileira a ser preso por acusação sobre violência sexual na Espanha.

O nome do famoso ex-jogador lateral da Seleção brasileira, Daniel Alves, repercutiu fortemente na mídia nos últimos dias, sendo manchete de várias reportagens em todos os jornais nacionais e internacionais, após ser acusado de cometer crime de estupro, ou, na visão dele: “relação sexual consentida” por vítima (que preferiu não se identificar) e que estava em uma mesma festa de uma boate na mesma noite que o jogador. O fato apurado teria acontecido no último dia 30 de dezembro de 2022 numa boate de luxo na badalada cidade espanhola de Barcelona, região da Catalunha, onde Daniel confirmara sua presença na lista.

Em depoimento prestado pela suposta vítima, uma jovem de 23 anos, que registrou o boletim em uma delegacia local, dois dias depois de sofrer o episódio.

Foi declarado por ela, que o jogador havia enfiado sua mão por dentro de suas partes íntimas enquanto estavam dançando e se divertindo, e contou ainda detalhes às autoridades, como, por exemplo, da tatuagem que Daniel possui em seu abdômen, em região perineal que percorre até sua área genital, o que pode demonstrar que a jovem teria tido contato íntimo com o jogador.

Quando o fato se tornou público, o ex-jogador negou totalmente os fatos alegando desconhecer a jovem.

Houve oitiva no sentido de que a direção da boate espanhola teria chamado a polícia, mas quando os policiais chegaram ao local o jogador brasileiro já teria ido embora.

Com a formalização da condição de investigado, o ex-jogador da Seleção resolveu prestar novo depoimento, na presença de uma advogada civilista de sua confiança, afirmando que esteve na boate de luxo, lembra de ter visto a moça no banheiro, mas negou quaisquer dos fatos de agressão sexual alegados por ela.

Apenas no terceiro depoimento prestado à Justiça é que o ex-jogador teria confirmado que manteve relações sexuais “consensuais”, ou seja, com o consentimento da jovem, mas que ela é quem teria se lançado sobre ele no banheiro da boate.

A partir do relato da vítima e das supostas divergências nos 03(três) depoimentos prestados pelo jogador às autoridades, a juíza que investiga o caso decretou a prisão preventiva do jogador na Espanha.

2 – O que diz a Lei Espanhola a respeito do suposto crime cometido pelo jogador que é mantido preso e aguarda julgamento

 A lei espanhola para os crimes previstos, como foi o caso da agressão sexual, em tese, cometida pelo ex-jogador Daniel Alves foi recentemente aprovada em 2022.

A Espanha é considerada um país pioneiro na investigação de crimes sexuais. Principalmente porque considera que a quantidade excessiva de violência sexual e violência doméstica sempre foi uma grande preocupação nacional. Isso levou a Espanha a mudar sua legislação, abolindo a forma mais branda de abuso sexual e considerando todas essas hipóteses sobre violência sexual como agressões reais.

No entanto, existem duas diferenças muito importantes entre as leis espanhola e brasileira. A primeira é que aqui no Brasil as denúncias de crimes sexuais, ou dessa figura, são tratadas do ponto de vista da libido.

O Código Penal Brasileiro, especificamente no seu artigo 213, define “estupro” como “constranger alguém com violência ou grave ameaça a manter conjunção carnal ou algum outro ato libidinoso”, o que impõe uma pena mínima de 6 a 10 anos ao infrator da lei.

O Código Penal espanhol trata dos delitos sexuais de maneira um pouco diferente da brasileira. Primeiro, estabelece uma pena geral para a violência sexual, especificamente prevista no artigo 178 do referido Código, de um a quatro anos, para assédios sexuais sem penetração. E nos dispositivos seguintes, de número 179 e 180, trata sobre violência sexual e atos sexuais sem consentimento, envolvendo vulnerabilidade e mais invasivos. Isso significa: sexo oral, vaginal e anal, punível até 15 anos. Portanto, a pena máxima seria bem mais elevada do que a prevista na lei brasileira.

E, ainda há outro fator crucial, que pode trazer sérias consequências ao caso em comento. Mesmo para evitar a defesa de que a prática sexual era consensual, a lei espanhola na reforma de 2022 já define explicitamente o que é o conceito de “consentimento” válido, exigindo-se que só existe consentimento quando a vítima pratica “um ato livre que mostra uma expressão muito clara e livre da sua vontade.”

Uma das regras estabelece que se a vítima for mais passiva e sem condições de oferecer resistência, por qualquer motivo, como bullying ou ingestão de bebida alcóolica, pode ser considerado incondicional, por não ter sido anuído pela vítima.

A lei penal espanhola considera que os crimes sexuais devem ser classificados com base no consentimento da vítima e não com base em outros elementos. Portanto, todos os crimes relacionados ao sexo, violentos ou não, tornam-se “agressão sexual.”

3 – Há uma peculiaridade de direito comparado no depoimento prestado por Daniel Alves?

O ex-jogador da Seleção, ao prestar o primeiro depoimento não estava acompanhado de nenhum advogado, mesmo tendo amplas condições financeiras de tê-lo feito.

Na jurisprudência espanhola é um pouco diferente da brasileira, pois nessa fase pré-julgamento temos o que se chama de sentenças garantidas. Depois disso, o juiz de primeira instância controla o andamento da investigação, incluindo essas testemunhas, e a aplicação de medidas de segurança, sendo a mais perigosa, obviamente, a prisão.

Não será o julgamento do futuro processo de conhecimento, o processo de mérito. No entanto, o juiz que de alguma forma ordenou a cautela não prejulgou ou renunciou ao seu mérito, enfim, o evento em si, que será objeto de discussão posterior.

4 – E se o crime de agressão sexual – em tese – cometido por Daniel Alves, tivesse acontecido no Brasil, o que prevê a Lei Penal Brasileira?

O termo “agressão sexual” é usado amplamente para classificar a agressão sexual sem o consentimento da outra parte. Qualquer coisa com conteúdo forçado faz parte desse tipo de violência, assim como tentativas de estupro, preliminares indesejadas e sexo oral forçado.

No Brasil, a Lei n. 12.015/2009 que alterou o Código Penal, trouxe maior proteção às vítimas desses delitos, nos casos dos chamados “crimes contra a dignidade sexual”. Apesar da existência de legislação e instituições de proteção, algumas vítimas de agressão sexual relutam em denunciar seus perpetradores.

Os motivos para evitar o uso da violência incluem: 1) medo (de serem julgados pela sociedade; de enfrentar represálias quando o agressor é uma figura poderosa ou alguém de confiança); 2) vergonha (pela cultura do estupro que vivemos, a palavra da vítima mulher é quase sempre objeto de descrédito e alvo de “cancelamentos” em famílias e redes sociais); 3) burocracia nas investigações (apesar de agora, no Brasil, a revitimização ser crime também) e 4) sensação de impunidade dos criminosos a serem processados (já que, por serem delitos que ocorrem na clandestinidade, a palavra da vítima é, muitas vezes, a única prova contra o suposto autor).

Segundo o Ministério da Saúde, a maioria das vítimas de estupro são crianças e adolescentes, representando cerca de 70% dos casos notificados. Os autores desses crimes mais comumente são os próprios familiares ou pessoas do convívio da vítima.

5 – É constitucional a prisão preventiva até o momento mantida ao ex-jogador brasileiro antes do julgamento?

A Justiça Penal Espanhola é conhecida por terem maior acato e cumprimento de suas leis. A lei espanhola define três casos em que uma pessoa pode ser detida cautelarmente enquanto aguarda sentença: risco de fuga, adulteração de provas e para proteção da vítima.

Uma dessas hipóteses, como visto, é a prisão cautelar quando houver indícios de possibilidade do risco de fuga do custodiado, que acreditamos ter sido o caso em fomento.

Esta prisão cautelar pode durar até dois anos de acordo com a lei espanhola, pois, no caso, há denúncia de um crime com penas e punições mais severas. Nesse sentido, em especial, é uma legislação penal bem mais rígida que a brasileira.

6 – Para a estruturação de defesa do ex-jogador Daniel Alves, quais seriam as possíveis teses a serem levantadas de acordo com a lei espanhola?

Pelas regras legais, o ex-jogador brasileiro irá a julgamento na Catalunha, perante um tribunal catalão onde poderá interpor um recurso, conhecido como habeas corpus, para que a decisão que decretou sua detenção cautelar seja revista por um juiz de primeira instância.

O tribunal pode ordenar a sua libertação ou confirmar a decisão, mantendo-se a prisão cautelar. Alternativamente, conforme previsto na legislação espanhola, podem ser implementadas medidas de verificação e alternativas – o que no Brasil chamamos de “medidas cautelares diversas da prisão”, previstas no art. 319 do CPP.

Por um lado, a defesa esclarecerá todos os recursos possíveis na legislação estadual pertinente. Por outro lado, a investigação deve continuar. São muitos os especialistas e testemunhas que poderão ser ouvidos e, ao final da investigação, serão apresentadas as acusações oficiais contra o atleta pelo Ministério de Relações Públicas da Espanha, órgão responsável.

A partir daí, Daniel poderá responder pelo processo criminal, o que poderá, por todos os meios e com todas as garantias, conduzir à sua condenação ou absolvição.

Ou seja, nesse momento é quase impossível admitir a ele que viaje para o exterior estando em eventual prisão domiciliar, salvo raras exceções, já que a Espanha é um país democrático e valoriza a ampla defesa ainda nessa fase inicial do processo.

7 – Daniel Alves por ser brasileiro nato, pode apresentar em sua defesa, o pedido de cumprir sua eventual pena no Brasil?

Sim, é possível solicitar seu retorno, de acordo com o art. 7o, inciso II do nosso Código Penal Brasileiro, porém, esta é uma condição única.

Como o suposto crime teria sido cometido na Espanha e contra uma vítima de nacionalidade espanhola, no âmbito das Relações Exteriores a intervenção no caso não foi vista como comovente e nem positiva para os tribunais brasileiros.

Portanto, este será um problema para a possível aplicação da lei espanhola.

Como é sabido, o Brasil não extradita seus cidadãos. Além disso, a regra penal extraterritorial brasileira permite que, em algumas situações, possa se impor sanções equivalentes às vigentes no exterior.

Acompanhemos o caso complexo e vejamos o desenrolar dessa história.

 

Por Rafhaella Cardoso e Jéssica Rodrigues Amaral, Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia.

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