Desde a entrada em vigor da recente Lei 14.713/2023, em 31/10/2023, o instituto da guarda compartilhada dos filhos enfrenta novas restrições quando houver demonstração de medida protetiva em favor da mulher e risco de violência doméstica ou familiar praticado por um dos genitores.
De acordo com a exposição de motivos da lei, a nova norma busca assegurar o melhor interesse da criança ou adolescente em situações de violência no ambiente familiar.
A legislação em vigor altera dispositivos do Código Civil (Lei 10.406/2002) e do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) relacionados aos modelos de guarda (compartilhada ou unilateral) na proteção dos filhos. Antes da audiência de mediação e conciliação, o juiz agora deve questionar as partes e o Ministério Público sobre o risco de violência doméstica ou familiar, estabelecendo um prazo de cinco dias para a apresentação de provas ou indícios pertinentes. Caso exista risco, a guarda unilateral será concedida ao genitor não responsável pela violência.
Desde 2014, a guarda compartilhada era a norma padrão no Brasil, promovida pela Lei 13.058 como uma abordagem considerada mais benéfica para os filhos, em razão do melhor interesse das crianças ao se manter a convivência continuada e a responsabilização conjunta, bem como o exercício de direitos e deveres em que os pais separados ou divorciados que não vivem sob o mesmo teto, devem compartilhar igualmente em relação aos filhos.
Essa prática visava possibilitar uma forma de participação mais ativa de ambos os genitores na vida das crianças, com uma divisão equitativa de responsabilidades e tempo de convivência, de forma a não se sobrecarregar apenas um dos genitores com os cuidados integrais e reforçar os laços entre pais e filhos, evitando-se recorrentes situações de abandono afetivo e material após o divórcio.
Além disso, acreditava-se que essa modalidade de guarda contribuía muito mais para o pleno desenvolvimento psíquico e emocional dos filhos, proporcionando a presença ativa dos pais em suas vidas do que a guarda unilateral conjugada com direito esporádico de visitação.
Quando se trata de violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei 11.340/2006 traz uma série de mecanismos e medidas protetivas, inclusive aquelas que alteram a dinâmica do exercício de guarda e visitação dos filhos em meio à situação complexa, fazendo com que dois importantes bens jurídicos devam ser sopesados no contexto judicial: o melhor interesse da criança e o direito básico da mulher de viver uma vida digna sem práticas reiteradas de violência.
O balanço entre a proteção desses dois interesses na interação doméstica e familiar é fundamental, sendo crucial avaliar cuidadosamente o melhor interesse da criança, especialmente nos casos em que ambos os genitores desempenharam papéis significativos em sua vida. No entanto, se a presença de violência doméstica é verificada, é imperativo garantir também a proteção à mulher, evitando que ela fique à mercê do agressor e preservando seu direito a uma vida livre de violência.
A guarda compartilhada, que pressupõe uma boa convivência entre os genitores, torna-se claramente inviável no contexto de violência, ainda mais quando comprovado o risco iminente de o agressor utilizar-se dos filhos como instrumento ou ponte para atingir a saúde física ou mental da vítima.
A vítima, fragilizada e vulnerável, não pode ser razoavelmente esperada a manter um relacionamento saudável com seu agressor única e exclusivamente em prol dos filhos em comum. “Embora a guarda compartilhada seja vantajosa para o menor após a separação dos pais, proporcionando convivência com ambos e a responsabilidade compartilhada pela criação, é imperativo analisar também os direitos fundamentais da mulher vítima de violência” (grifo nosso).
Entretanto, diante da complexidade das relações familiares, a revogação da guarda compartilhada em casos de medida protetiva e violência doméstica se apresenta como uma mudança necessária, mas sujeita à análise minuciosa do caso em concreto. A recente promulgação da Lei 14.713/2023 redefine as diretrizes relacionadas à guarda dos filhos em contextos marcados por riscos de violência.
A nova legislação estabelece que, nas ações de guarda, o juiz deve indagar sobre a existência de risco de violência doméstica ou familiar antes da audiência de mediação e conciliação. Identificado tal risco, a guarda unilateral será concedida ao genitor não responsável pela violência.
Essa modificação visa a proteger o melhor interesse da criança ou adolescente, reconhecendo que a preservação dos laços familiares nem sempre é a melhor opção em ambientes marcados pela violência. A proposta da guarda compartilhada, que antes era vista como uma maneira de minimizar danos psicológicos, é agora ajustada para proteger os filhos de situações prejudiciais e garantir um ambiente seguro para o seu desenvolvimento.
A revogação da guarda compartilhada em casos de medida protetiva e violência doméstica reflete mais um passo para a evolução na legislação familiar, priorizando a segurança e o bem-estar das crianças em situações adversas, rompendo-se espirais de violência e padrões repetitivos comportamentais apreendidos no âmbito dos próprios lares. Essa mudança reconhece a importância de adaptar as leis às realidades complexas das relações familiares, garantindo que a proteção das vítimas de violência seja uma prioridade fundamental no sistema legal. “Este ajuste no que era “padrão” busca, portanto, proporcionar um ambiente mais seguro e saudável para o desenvolvimento das crianças em situações desafiadoras”. (grifo nosso)
Em situações em que não há acordo entre os pais, a guarda, que poderia ser compartilhada, não será concedida “se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou familiar”, conforme destaca o novo texto do Código Civil.
A implementação dessa lei reflete uma preocupação constante, especialmente entre as assistidas que buscam auxílio na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Defensoras públicas que atuam no Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) e nas Varas de Família e nas Casas de Mulheres, equipamento do Governo do Estado, compartilham relatos de mães vítimas de violência doméstica que expressam preocupações quanto ao bem-estar de seus filhos.
Anna Kelly Nantua, defensora pública do Nudem Fortaleza, destaca que a guarda compartilhada pode favorecer a presença constante do agressor na vida das crianças, expondo-as a atos violentos e gerando problemas psicológicos. Além disso, a defensora ressalta que, em muitos casos, as mães ficam sem notícias dos filhos, sujeitas a uma nova forma de violência psicológica.
Em um levantamento inédito realizado pela Defensoria em 2020, ficou evidente que a violência doméstica muitas vezes é esquecida no decorrer do processo judicial. Dos 630 casos analisados no Nudem entre janeiro e julho de 2017, apenas um mencionava formalmente a violência doméstica em um acordo entre as partes, demonstrando a invisibilidade desse aspecto no trâmite processual.
A defensora pública Michele Camelo, atuante na 13ª Vara de Família de Fortaleza, enxerga a nova lei como uma conquista significativa. Ela destaca que, durante muito tempo, a guarda compartilhada era considerada obrigatória, obrigando as mulheres a manterem contato frequente com seus agressores.
Mesmo que apesar da legislação atual oferecer a possibilidade de guarda unilateral para mulheres em situação de violência, garantindo que não dependam da autorização do agressor para as atividades cotidianas relacionadas aos filhos.
Quando há provas ou vestígios de ameaça à vida, saúde, integridade física ou psicológica de um filho ou de um dos pais, torna-se responsabilidade do juiz agir prontamente, deferindo a guarda unilateral ao genitor não envolvido na violência.
Embora a guarda compartilhada seja considerada uma opção valiosa ao se avaliar a perspectiva da criança, uma análise aprofundada das razões reais por trás da separação dos pais pode contribuir para uma decisão mais justa em cada caso específico.
“A nova lei 14.713/2023 torna-se necessária que, apesar dos progressos, ainda há deficiências na estrutura legal, especialmente no que diz respeito à mulher vítima de violência. O cerne deste novo dispositivo em vigor é a proteção da vida e bem-estar, tanto da vítima de violência doméstica quanto do menor envolvido. “(grifo nosso)
Portanto, ao considerar o compartilhamento da guarda em situações de violência doméstica, é imperativo agir com extrema cautela, uma vez que decisões favorecendo o agressor podem acarretar consequências graves para a vítima e, inclusive, para a criança. Essa reflexão destaca a importância de abordagens judiciais sensíveis e criteriosas diante de casos complexos, assegurando a proteção adequada dos envolvidos.
“A Lei 14.713/2023 representa, assim, um avanço na proteção dos direitos da criança e da mulher, promovendo a segurança e o bem-estar em contextos familiares marcados pela violência. Quando se trata de violência doméstica e disputa pela guarda, dois importantes bens jurídicos entram em cena: o melhor interesse da criança e o direito básico da mulher de viver uma vida digna.” (grifo nosso)
A proteção desses dois aspectos é fundamental, sendo crucial avaliar cuidadosamente o melhor interesse da criança, especialmente nos casos em que ambos os genitores desempenharam papéis significativos em sua vida. No entanto, se a presença de violência doméstica é verificada, é imperativo garantir também a proteção à mulher, evitando que ela fique à mercê do agressor e preservando seu direito a uma vida livre de violência.
A guarda compartilhada, que pressupõe uma boa convivência entre os genitores, torna-se inviável no contexto de violência. A vítima, fragilizada e vulnerável, não pode ser razoavelmente esperada a manter um relacionamento saudável com seu agressor.
Embora a guarda compartilhada seja vantajosa para o menor após a separação dos pais, proporcionando convivência com ambos e a responsabilidade compartilhada pela criação, é imperativo analisar também os direitos fundamentais da mulher vítima de violência.
Por fim, caso seja definida a guarda unilateral com a genitora, é necessário formalizar o direito fundamental de visitas, alinhando-o ao princípio da proteção integral do menor. Este princípio ressalta a importância de não excluir a convivência com o outro genitor, mas assegurar que a criança mantenha vínculos saudáveis com ambos os pais de forma totalmente segura.
Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia, Jéssica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso.