Responsabilidade de jovens por ataques violentos nas escolas: a justiça juvenil do ECA

A coluna de hoje, revisa o conteúdo acerca das implicações jurídicas em relação ao triste e lamentável episódio que tomou conta da imprensa nos últimos dias, no qual um estudante de 13 anos que aparentava transtornos emocionais, matou uma professora e feriu outras cinco pessoas dentro da Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista na última segunda-feira dia 27 de março; bem como em relação a um outro caso, no Rio de Janeiro, em que um adolescente pretendia – a partir de vídeos e publicações na Internet – cometer atos violentos em sua escola.

Após os fatos ocorridos em São Paulo, o adolescente foi ouvido na tarde de terça-feira (28) no Ministério Público de São Paulo, e, segundo atualizações do caso, a imprensa noticiou que, segundo o delegado Marcos Vinícius Reis, titular do 34º DP (Vila Sônia), o jovem “não demonstrou muita emoção” durante o depoimento. Ele falou na presença dos pais e de advogados e admitiu ter cometido os ataques.

Além disso, consta das informações até então divulgadas que foram localizadas na residência do adolescente: uma pistola de pressão conhecida como airsoft, além de máscaras e bilhetes – cujo teor não foi divulgado.

Como se não bastasse esse episódio que comoveu o país, ainda esta semana, houve a atuação de desmantelamento de um outro caso, que quase culminou na mesma tragédia, interrompida graças à denúncia feita pelo Google à Interpol, de que um adolescente do Rio de Janeiro, era suspeito de planejar um ataque a uma escola no estado. A investigação teve início a partir de um alerta do Google à Interpol, que identificou um vídeo publicado no YouTube com conteúdo que sugere risco iminente de morte ou lesão grave a terceiros.

A juíza competente no caso, Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, determinou a internação provisória de um adolescente suspeito de planejar um ataque a uma escola no estado”.

A decisão da Juíza do RJ de internar provisoriamente o infrator foi tomada como uma medida de proteção adequada para este caso, considerando as circunstâncias do ato infracional – um possível atentado a uma escola – levando em conta este potencial caso fosse cometido, bem como a personalidade do jovem infrator, que provavelmente foi avaliada com o intuito de prevenir este ou futuros atentados.

Passemos à análise jurídica dos fatos.

1 – O que prevê o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 112 prescreve que estas medidas de educação social para delinquentes juvenis sejam vistas para também acelerar recuperação dos jovens, procurar prevenir a reincidência e prepará-los para uma saudável reintegração na sociedade.

O Estado é responsável por administrar as medidas privativas de liberdade, nos espaços próprios para a prática, como em Centros Socioeducativos. Aos olhos da criminologia crítica, o objetivo é tentar mostrar que a justiça juvenil, bem como a justiça criminal, são parte de um sistema amplo de punição, que projetam essas instituições como subsistemas de controle social visando trabalhar o desvio e o crime com estruturas sociais, colocando o ECA, a justiça da infância e juventude como seus “operadores”.

As medidas visam ainda proteger os jovens em situações de risco ou vulnerabilidade, enquanto as medidas de educação social são aplicadas quando os jovens cometem crimes.

Entre as medidas socioeducativas oferecidas pelo ECA, destacam-se:

  1. Advertência: trata-se de uma medida educativa, que inclui alertar os jovens sobre a gravidade do delito, sem implicar cerceamento de quaisquer
  2. Prestar serviços à comunidade: o jovem deve realizar atividades gratuitas que beneficiem a comunidade, por um período de tempo determinado. Esta medida visa incentivar os jovens a desenvolverem uma consciência social e comunitária.
  3. Liberdade assistida: é uma medida que define a obrigatoriedade de os jovens comparecerem periodicamente a um orientador, que acompanha o seu desenvolvimento e pode estabelecer acompanhamento e
  4. Semigratuito: o jovem é admitido em uma instituição de ensino por um determinado período de tempo, podendo sair durante o dia para estudar ou
  5. Internato: é a medida mais restritiva e severa em que o jovem é privado de liberdade em instituição de ensino por até três anos. É aplicável nos casos mais graves em que outras medidas não sejam suficientes para garantir a reintegração dos jovens na

Conforme o ECA o adolescente que completar 21 anos, a liberação será compulsória e a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvindo-se sempre o Ministério Público (art.121 do ECA, parágrafos). Por não comportar a medida prazo determinado, deverá o adolescente ser reavaliado a cada seis meses mediante decisão fundamentada (artigo 121, parágrafo 2º).

A responsabilidade do menor infrator é um tema bastante discutido atualmente, especialmente no que diz respeito à justiça criminal juvenil. Muitas vezes, as opiniões são divergentes quanto à melhor forma de lidar com jovens que cometem crimes.

De um lado, há quem defenda a aplicação de penas mais rigorosas para os menores infratores, a fim de que eles aprendam a lição e não voltem a cometer delitos. De outro lado, há quem acredite que a abordagem mais adequada é a que busca a ressocialização do jovem, por meio de medidas socioeducativas.

A verdade é que a responsabilidade do menor infrator precisa ser avaliada de forma individualizada, levando em consideração as circunstâncias do ato infracional, a idade do jovem, sua história de vida e o risco de reincidência. É preciso também que se leve em conta que a maioria dos menores infratores vive em situação de vulnerabilidade social, o que muitas vezes os leva a cometer os atos delituosos.

Para chegar à raiz do problema, primeiro é preciso entender a estrutura histórica e político-criminal que fundamenta o sistema de justiça juvenil brasileiro do qual derivam os desencontros administração foi realizada no âmbito do Tribunal da Infância e Juventude.

Uma questão intrigante sobre a infância e a juventude no Brasil é como e por que esse segmento da população, desde os tempos coloniais até os dias atuais, é considerado um problema pendente de ação e solução, uma questão para as autoridades.

Analisando o problema sob essa perspectiva histórica, parece que o abandono por suas famílias (cite-se abandono direto ou indireto – aquele que ocorre no próprio lar, onde o adolescente não é “percebido” ou “ouvido” pelos parentes próximos) e a pobreza são os principais motivos que justificam os controles sociais impostos no Brasil sobre crianças e jovens, em particular, em contexto criminal. Esta visão destaca-se no seio do modelo imperial vigente à época do Quarteto, que se baseava então na lógica da “situação anormal”.

Apoiada na retórica salvacionista, a lei legitimava uma grande intervenção governamental na vida das famílias pobres, que muitas vezes perdiam a guarda e guarda de seus filhos para as famílias do Estado devido à sua suposta falta de estrutura e degeneração. Ao associar a privação e a falta de apoio à delinquência, legalizou-se a tutela estatal dos jovens pobres, equiparados aos delinquentes, todos enquadrados na mesma categoria: “pequenos delinquentes”.

A justiça criminal juvenil tem como objetivo principal a recuperação do jovem infrator, a fim de que ele possa voltar a viver em sociedade de forma digna e produtiva. Para isso, são aplicadas medidas socioeducativas que buscam não só punir, mas também educar e preparar o jovem para uma vida melhor.

Entre as medidas socioeducativas previstas pela lei, conforme descrito acima, estão a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional. Cada uma delas é aplicada de acordo com a gravidade do delito e a necessidade de recuperação do jovem.

O ato infracional é a “conduta descrita como crime ou contravenção penal” (art. 103 do ECA), portanto, ainda que previstos na legislação penal, não podem gerar responsabilização como se crimes fossem, pois de acordo com a lei penal são considerados incapazes os menores de 18 anos, sujeitos não a penas privativas de liberdade de reclusão e detenção, mas à imposição de medidas socioeducativas previstas no artigo 112 do ECA.

Ressalte-se que, em caso de condenação por crime doloso, a aplicação de medidas restritivas e reclusão, quais sejam: liberdade do dia e prisão domiciliar, devem ser consideradas como as últimas proporções do sistema socioeducativo. Além disso, há uma clara disposição sobre garantias processuais, como respeito à legalidade, direito à proteção técnica, devido processo legal e igualdade na relação processual, incluindo menção ao privilégio de o jovem confrontar vítimas e testemunhas e apresentar todas as provas necessárias para sua defesa.

É importante destacar que a justiça criminal juvenil não pode ser confundida com a justiça criminal comum. As medidas socioeducativas aplicadas aos menores infratores devem ter como objetivo a recuperação e a ressocialização do jovem, enquanto a justiça criminal comum tem como objetivo, inicial, a punição do criminoso e, indiretamente, a sua reinserção.

Entretanto, na prática, isso pouco tem sido efetivado, pois o sistema de aplicação dessas medidas acaba marginalizando ainda mais os jovens que passam pelo sistema socioeducativo, seja pelos dados de reincidência penal elevada, mormente após os 18 anos completos, seja pela baixa expectativa de reinserção com que são colocados os que ficaram em internação.

É preciso, antes de reprimir atos como os nefastos que ocorreram, promover a educação e o acolhimento dos jovens, mormente no que tange à sua saúde mental e sobre as oportunidades de ensino e ocupação lícita para sua futura autonomia econômica, pois muitos dos delitos nessa época se dão por fatores psicológicos, financeiros e de desajuste familiar.

Cuidemos das nossas crianças e adolescentes sempre com muito carinho e diálogo, de forma a apoiá-los a passar por esta fase tão delicada da vida que é a adolescência, cheia de medos, impulsividades e inseguranças. Educação, Diálogo e Saúde mental importam e muito!

 

Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia: Jéssica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso

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