1. A equiparação da injúria racial ao crime de racismo conforme a Lei nº 14.532/23: o que muda?
A nova Lei nº 14.532/23, sancionada no mês de janeiro de 2023 pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem por objetivo tipificar a injúria racial como crime de racismo, acrescentando previsão de pena de suspensão de direito em casos de racismo praticados em atividades esportivas ou artísticas, bem como prevendo pena para racismo religioso e recreativo, além do praticado por funcionário público.
No que tange a Lei do Crime Racial (Lei nº 7.716/89), alterada pela lei sancionada neste ano, a injúria racial presente no art. 2º – caracterizada pela ofensa em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional – tinha pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. A pena de reclusão para a injúria, com a nova lei, é aumentada para de 2 a 5 anos, mais multa.
No ano de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 154248, que a injúria racial configura uma forma de racismo, e, portanto, é também imprescritível. Antes dessas mudanças legais, era comum que diante de uma acusação de crime de racismo, os ofensores solicitassem uma desclassificação para o crime de injúria racial, por esta ser considerada um crime menos grave, com pena mais branda.
Outra inovação é a aplicação de penas mais severas para os crimes raciais previstos que sejam cometidos no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, nos termos do parágrafo §2º-A, do art. 20 da nova Lei nº 14.532/23. Nesse caso, além da pena de reclusão de 2 a 5 anos, os agressores também podem ser proibidos de frequentar, pelo prazo de 3 anos, locais destinados às práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.
Passa também a incorrer nas mesmas penas previstas no art. 20 quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. Essa maior rigidez na sanção dos crimes cometidos nos espaços públicos descritos tem por função coibir atitudes que podem ser descritas como “racismo velado”, tão presente em nossa sociedade. A intolerância religiosa é conduta fortemente presente na sociedade brasileira, onde grupos que cultuam religião de matriz africana sofrem diariamente com atos de violência e desrespeito.
Além disso, os crimes raciais que ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação, assim como o racismo cometido por funcionário público – no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las – terão suas penas aumentadas de um terço até a metade.
Para julgar os casos de racismo, a Lei determina que o juiz deve considerar como discriminatória toda e qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
Desta maneira, deve-se ter a percepção de que existem grupos marginalizados em nossa sociedade, que enfrentam no seu cotidiano a vitimização e o estigma em função de características físicas, históricas e culturais. A nova Lei nº 14.532/23 visa proteger grupos minoritários da violação de seus direitos motivada pelo preconceito.
Nos casos em que ocorrem os crimes de racismo, as vítimas devem estar acompanhadas de advogado ou defensor público em todos os atos processuais, sejam eles cíveis ou criminais.
2. Como a vítima deve proceder em casos de racismo?
É recomendado que a pessoa ou grupo vítima de racismo realize denúncia do acontecimento em uma delegacia. Caso o crime seja cometido em ambiente virtual, é importante que a vítima reúna o máximo possível de provas do ocorrido para fundamentar sua denúncia. Além disso, é relevante buscar a orientação de advogado ou Defensor Público para receber um direcionamento específico para cada caso concreto. Inclusive, a nova lei autoriza que o Juiz nomeie um advogado público ou privado para acompanhar a vítima de racismo durante todo o procedimento.
3. O que é “racismo recreativo” e como ele identificar e rever posturas?
No passado, era uma categoria de humor ou brincadeiras de escola ou de jovens, mas ao longo do tempo foi se percebendo que essas práticas só reforçam o inconsciente coletivo que mantém o racismo estrutural, ou seja, o comportamento de inferiorizar negros e índios em nossa sociedade sem que se quer percebamos que são comportamentos racistas, mas que subjugam os outros pelo seu tom de pele, características físicas e culturais.
Por Rafhaella Cardoso e Ana Gabriela Teixeira Paula – integrantes da Banca Rafhaella Cardoso Advocacia