A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de infração penal, não legitima que policiais militares ingressem no domicílio de qualquer pessoa sem autorização judicial, pois considera-se estar ausente, nessas situações, justa causa para a medida policial.
Este é o entendimento majoritário e recente da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme o acórdão no HC 762.932, que, recentemente, absolveu um indivíduo do crime de tráfico de drogas por considerar ilícitas as provas colhidas após a entrada de uma equipe policial em sua casa, em virtude da existência de um constrangimento ambiental/circunstancial.
Para o Tribunal, não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para a realização de busca domiciliar, após o morador ter sido preso em flagrante, na rua, por porte ilegal de arma de fogo.
Segundo os autos do processo em análise, foi recebida denúncia anônima sobre um indivíduo que estaria armado em via pública. Ao confirmar a situação, os policiais o prenderam e, diante da informação de que ele possuía antecedente por crime de tráfico, dirigiram-se até a sua residência.
Após a suposta autorização do homem detido, a polícia entrou na casa com cães farejadores e localizou entorpecentes. Como resultado, o indivíduo foi processado pelos crimes de tráfico de drogas e porte de arma de fogo. (Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/23012023-E-nulo-o-consentimento-para-ingresso-da-policia-em-residencia-apos-prisao-em-flagrante-por-motivo-diverso.aspx#:~:text=O%20relator%20destacou%20que%20o,delito%20no%20interior%20da%20resid%C3%AAncia.)
1 – QUAIS OS REQUISITOS DE UMA LEGÍTIMA BUSCA POLICIAL EM UMA RESIDÊNCIA
De acordo com o referido julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu-se que os agentes policiais, caso precisem entrar em uma residência para investigar a ocorrência de crime e não tenham mandado judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
O colegiado estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.
2 – EM SITUAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE É PERMITIDO O INGRESSO DE POLICIAIS NUMA RESIDÊNCIA SEM MANDADO JUDICIAL A QUALQUER HORÁRIO DO DIA E DA NOITE?
Ao firmar o precedente acima, a Sexta Turma estabeleceu que na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, em qualquer horário do dia ou noite, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
3 – O CONSENTIMENTO DO MORADOR, SERÁ SOLICITADO EM QUE SITUAÇÕES PARA O INGRESSO DO POLICIAL NA RESIDÊNCIA?
O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
Para se comprovar que houve legalidade e voluntariedade do consentimento do morador para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, como colocado acima, é importante que toda a operação policial seja registrada em áudio-vídeo, e preservada tal prova enquanto durar o processo.
4 – QUAL A CONSEQUÊNCIA PARA AS PROVAS DO PROCESSO SE HOUVE ALGUM VÍCIO OU ERRO NESSA ABORDAGEM?
A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal dos agentes públicos que tenham realizado a diligência.
Desta forma, nos termos da Constituição Federal e do art. 157 do Código de Processo Penal, as provas obtidas por meios ilícitos (e as que delas derivarem) são consideradas ilícitas e deverão ser desentranhadas – ou seja, retiradas – dos autos processuais e não poderão servir para formar o convencimento do juiz na hora de decidir.
Na dúvida, exija sempre a presença de um(a) Advogado(a) Criminalista especialista nestas abordagens, para o ingresso de policiais em qualquer residência, antes de qualquer prisão ou procedimento de busca e apreensão, e, se possível, até a chegada efetiva do procurador, filme a Ação Policial para fins de contrastar com as versões policiais sobre o ingresso na residência, com ou sem Mandado Judicial em mãos.
Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia