CRIME DE ESTELIONATO – LEI ANTICRIME (NÃO) RETROAGE E CAUSA POLÊMICAS

1. O que é o crime de Estelionato? 

De maneira geral, o estelionato é caracterizado pela tentativa de enganar outra pessoa através de um artifício com o objetivo de obter uma vantagem ilícita.

É importante observar que, apesar de ser um crime contra o patrimônio (ex. como o furto, o roubo, o latrocínio, a extorsão mediante sequestro etc.), o uso da força física não é necessário.

Para que o crime de estelionato seja configurado, são necessários quatro requisitos. Em primeiro lugar, é preciso que haja a busca por uma vantagem ilícita. Em segundo lugar, é necessário que a vítima sofra algum tipo de prejuízo decorrente do crime. O terceiro elemento é o uso de algum meio fraudulento, como uma artimanha ou um truque. Por fim, o quarto requisito é a capacidade de enganar a vítima ou levá-la a erro, resultando na obtenção da vantagem ilícita. Sem a presença desses quatro elementos, o crime não pode ser considerado como estelionato. Portanto, todos os requisitos precisam estar presentes para que o crime seja configurado.

No Brasil, a cada quatro minutos, uma pessoa é vítima de estelionato. Os golpes aplicados pela internet estão entre os que mais crescem. Isso porque os criminosos se aproveitam, principalmente, de ferramentas recentes como o uso de “Pix” e falsas vantagens em links de redes sociais.

Antes de tanto avanço, os criminosos aplicavam bastante estes golpes às pessoas que faziam uso de telefonia fixa em casa, tornando alvos fáceis todos aqueles que não tinham um Identificador do ID de chamadas; fora que a Internet, naquela época, não era tão rápida – por ser discada e com menos número de provedores e acessos -, e as informações verídicas levavam um tempo maior para aparecerem, e, na maioria das vezes, já era tarde demais para consultarmos a artimanha pregada, antes de ficarmos no prejuízo.

Não era difícil imaginar a cena assim em qualquer lar brasileiro: “casal de idosos, aposentados, não tinham aparelhos de celulares há alguns anos, apenas o telefone fixo, o meio de comunicação mais usado aquela época, em um certo dia, o idoso recebe uma ligação inesperada, em uma manhã, de um homem aos prantos, desesperado que dizia ser sobrinho do avô e que havia tido um problema na estrada muito sério, e que para ele voltar para casa precisava de uma quantia de dinheiro, urgentemente, para realizar o reparo do “suposto carro”. O avô – coitadinho -, não tinha nenhum dos filhos dele por perto, estava apenas compartilhando naquele momento a informação com a esposa / avó, que também no calor do momento e da preocupação cederam ao sofrimento daquele sobrinho desesperado e no meio da estrada?!”

Imaginem a cena e a clara ideia de que a imaginação que tiveram do perigo que sofria este FALSO ente familiar, autorizara o estelionatário de pedir uma monta não inferior a R$ 7.000,00 (sete mil reais). E, naquela época dos fatos, o pobre avô realizou o depósito pessoalmente na loteria da Caixa próxima a sua casa naquele mesmo dia, após colher as informações dos bandidos. Somente depois do depósito é que se deu conta que havia caído em golpe, e que não conseguiríamos rastrear o favorecido daquela quantia.

Atualmente, mesmo com toda esta tecnologia avançada que temos disponível em segundos, ainda perecemos nas mãos destes fraudadores, e, estando 24(vinte e quatro) horas acessando as redes mundiais, somos alvos fáceis também da rebuscada e ardilosa tecnologia criminosa que nos cerca.

Hoje temos o golpe do “ganhe dinheiro trabalhando de casa pelo celular”, que tem levado vários indivíduos desesperados com o cenário econômico do desemprego a cair em estelionatos de “pirâmides” e outras que prometem ganho rápido e vantagens para além do mercado. É sempre bom se precaver e conversar com especialistas antes de fechar ou aceitar qualquer negócio que possa parecer “muito rápido e lucrativo”! Nem tudo que reluz é ouro – essa máxima sempre funciona!

 

2. Como se prevenir de ser vítima das ações dos estelionatários contemporâneos?

De acordo com especialistas, é necessário tomar precauções para evitar golpes, seja o estelionato virtual, ou até mesmo o sentimental, uma destas orientações são repassadas pelas polícias, que possuem registros diários destes crimes, vejamos:

  • Não faça download de softwares e aplicativos de origem desconhecida;
  • Não divulgar senhas, não clicar em links suspeitos e evitar compartilhar informações pessoais em publicações;
  • Não abra links desconhecidos enviados por e-mail ou aplicativos;
  • Habilite a verificação em duas etapas nos aplicativos e e-mails;
  • Desconfie sempre e cheque a fonte;
  • Não clique em links contidos em SMS, mensagens instantâneas ou em postagens em mídias sociais de pessoas ou organizações desconhecidas, que possuem endereço suspeitos ou;
  • Outra medida importante para não cair em golpes é não enviar dinheiro ou valores solicitados por mensagem ou ligação;
  • Certifique-se de quem se trata a pessoa com quem você está em contato para não cair em um golpe.

Se acontecer o fatídico golpe, a recomendação de imediato para a população é que se registre um Boletim de Ocorrência (B.O./REDS) detalhando, nos mínimos detalhes, todo o histórico e linha do tempo do ocorrido, com dados telemáticos ou cibernéticos, ou mesmo físicos/pessoais do estelionatário, caso seja vítima de qualquer um desses golpes.

Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que não conheça quem tenha sido vítima de golpes financeiros típicos da era digital, como a clonagem e furto de dados de cartões de crédito, envio de boletos falsos, ligações supostamente feitas por bancos e fraudes por meio do Pix. As autoridades estão tentando regular melhor esse universo e investigar os grupos e associações criminosas responsáveis, que, às vezes, contam com integrantes agindo, inclusive, de dentro do sistema prisional.

Esse é um desafio real para o qual ainda não há soluções definitivas. Enquanto isso, as instituições financeiras continuam aprimorando diariamente seus sistemas de segurança, alertando os clientes sobre novos golpes e lidando com os prejuízos de algumas das vítimas na Justiça. Exemplo: a Receita Federal do Brasil e outros bancos informam que não enviam e-mails aos seus destinatários com notificações importantes. Caso receba, verifique a autenticidade do correio eletrônico por meio dos sites oficiais das instituições e não hesite em ligar para o telefone oficial ou ir até sua agência antes de abrir qualquer correspondência eletrônica.

3. O que mudou nos últimos dias sobre o tratamento do crime de estelionato pela Jurisprudência?

Para a revolta de muitos – e o que vem gerando uma certa polêmica nos últimos dias – é a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que na última semana julgou, por maioria, um agravo regimental que tratava do caso de um homem respondendo pelo delito de estelionato e cujo processo não se registrou uma representação formal da vítima, o que levou à alteração legal vigente desde 24 de janeiro de 2020 – pela Lei n.13.964/2019 – na qual a condição objetiva de procedibilidade é exigida em retroação para benefício do réu.

A representação da vítima (ou de seu representante legal, quando esta for menor ou incapaz) é uma condição de procedibilidade para a ação penal que dispensa formalidade, bastando a intenção das vítimas em autorizar essa persecução penal perante uma Autoridade Competente – seja a polícia, o judiciário ou a promotoria adequada, de forma expressa e inequívoca que deseja prosseguir com a investigação e a ação penal e, logicamente, com a condenação do infrator.

A ministra Carmen Lúcia do STF relatou que “a necessidade de representação tem caráter híbrido — ou seja, tem caráter simultaneamente penal e processual penal. Nesses casos, o Supremo considera que a nova norma deve retroagir em benefício do réu.”

Após a vigência da referida Lei nº 13.964/2019 – conhecida como “Pacote Anticrime”, para que haja processo penal nos casos de estelionato que não envolvem a administração pública, é necessário a representação da vítima NO PRAZO DECADENCIAL DE ATÉ 6(SEIS) MESES A CONTAR DO DIA EM QUE O OFENDIDO SOUBE QUEM ERA O AUTOR DO DELITO. A ausência desse interesse por parte da vítima resulta no trancamento da ação penal, inclusive de forma retroativa à norma, FAVORECENDO O ESTELIONATÁRIO – O RÉU.

A discussão central diz respeito à natureza jurídica da representação da vítima do crime de estelionato após a implementação do Pacote Anticrime. Se for vista como uma mera condição para a ação penal pública condicionada, seria necessária apenas na fase pré-processual da investigação, antes do oferecimento da denúncia, que seria um ato jurídico perfeito, de acordo com o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, o que tornaria a representação dispensável. Por outro lado, se for considerada uma condição para a continuidade do processo judicial, seria necessária para processos já instaurados sob a legislação anterior.

De acordo com o voto do Min. Alexandre Moraes (STF), uma vez que a denúncia não tem retratação da representação, há um “ato jurídico perfeito”. Dessa forma, a manifestação de interesse ou desinteresse da vítima não tem impacto na continuidade da ação penal. Já para o jurista e Min. José Antonio Dias Toffoli (STF), por outro lado, argumenta que a retroatividade da lei “anticrime” não aprimora as normas em relação às novas realidades sociais, mas, pelo contrário, expõe uma lacuna na proteção das vítimas e enfraquece o sistema. Ele ainda acrescenta que a maioria dos crimes de estelionato ocorrem no ambiente virtual, o que muitas vezes torna difícil identificar o verdadeiro autor do delito e, por conseguinte, inviabiliza a representação da vítima para fins de atuação do Estado, que é o maior interessado na aplicação da lei penal.

Por fim, podemos destacar que nem todos os casos de estelionato necessitam de representação da vítima ou de seu representante legal. Contudo, há exceções previstas nos incisos I a IV do parágrafo 5º da CF/88.

Logo, em situações envolvendo a administração pública direta ou indireta como vítima; crianças ou adolescentes; pessoas com deficiência; ou maiores de 70 anos de idade ou incapazes, o crime de estelionato previsto no artigo 171 do CP segue sendo de ação penal pública incondicionada, ou seja, não depende da representação da vítima para que se dê início ao procedimento criminal.

Portanto, se você não é uma dessas vítimas e for alvo de estelionato, corra contra o tempo e represente criminalmente perante a Autoridade Policial (PM e PC) relatando os fatos e buscando a localização e punição dos reais responsáveis. A orientação do profissional da advocacia, especializado no assunto, será decisiva na agilidade dessa responsabilização, já que o advogado é essencial à administração da Justiça, e, muitos deles estão habilitados com equipes técnicas e consultores especializados no rastreio dos infratores.

Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia, Jéssica Rodrigues Amaral e Rafhaella Cardoso.

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