Projetos para o resto da minha vida

O olhar da artista plástica Renata Barros

Muitas coisas me seduzem. Sou curiosa e sempre parto em diversas direções de interesses, os quais vão se afunilando para se concentrar nos meus questionamentos e preocupações.  Os caminhos da contemporaneidade que exploro são mais ligados à filosofia, psicologia e ciências.

No meu trabalho, essas múltiplas direções resultam em um trabalho de pesquisa de materiais que são diretamente relacionados ao conceito desejado para a obra.  Um exemplo: o diário, esse caderno de anotações, tem como características intrínsecas ser honesto, transparente e efêmero: as mesmas qualidades que identifico no vidro.  Recorto no vidro furos que afunilam de perfil, como um vulcão, transmitindo profundidade. Dentro da mesma ideia, dou ao vidro a forma de coração para falar de emoções, de efemeridade e da fragilidade humana.

Cada assunto, cada foco de interesse me leva a pesquisar suportes diferentes como venho fazendo desde o início da minha carreira. Pesquisa que sempre foi e é uma fonte de prazer e estímulo. Somado ao meu interesse pela compreensão do homem – um ser que vive, que sofre, que se eleva pelo conhecimento – declino, desde 1988, o trabalho em diferentes materiais com um título infinito “Projetos para o resto da minha vida”.

Dentro dessa minha visão de que a construção de um trabalho e a escolha do material tem total ligação com o tema, elaborei “CLONE” em 1996”, desenvolvido em látex (= pele). Dentro do ideal grego, o corpo e mente e espírito juntos. O clone, portanto, deve ter também essas características. Brincando com a ciência, explico que só eu, a artista, posso fazer meu próprio clone pois, diferentemente de um cientista, só eu posso transmitir o meu espírito.

A densidade de alguns temas, quebro com pitadas de humor aplicadas nos títulos ou em detalhes nas obras.  Levo a sério o senso de humor que ajuda a exprimir temas mais fortes como a morte e o aprisionamento. Nem sempre o trabalho jorra “acabado” quando da sua concepção.  No entanto, ao finalizá-lo, e ao tomar o distanciamento necessário, percebo que coloquei muito mais do que pensava exprimir.  Surpreendo-me também com a pertinência dos sentimentos expressados e, algumas vezes, com as mutações em que o trabalho enveredou.

Necessito da introspecção e do movimento para desenvolver minhas ideias. Ideias e observações aparecem nesses dois processos, vividos e amadurecidos (TEMPO). E são eles que dão o start para a realização da obra. Às vezes, minha cabeça utiliza uma lente macro que captura detalhes, outras vezes uma grande angular que capta cena mais ampla.

Mais recentemente, expus a instalação “Relaxe” (Paço das Artes de São Paulo – 2008). Se no início tive uma visão “souffrante” com o tema do aprisionamento, com as grades, os arames farpados, a proteção extrema, a distância e o humor, permitiram-me oferecer prazer ou relaxamento.

O aspecto lúdico veio cedo: no final dos anos 80, retirei a obra do quadrado, do retângulo e da moldura e passei a recortar, cortar, montar a obra diretamente na parede.  Mais tarde, nos anos 90, minhas instalações em formas soltas e orgânicas, salpicaram o teto e o chão das galerias. Algumas instalações foram concebidas para um lugar específico: jardim ou espaço arquitetônico.

Despertar a curiosidade e a participação do espectador, sempre me interessa. Os olhos devem saltitar, pular, percorrer, fisgando-o, o qual, por si próprio, vai buscar o complemento da obra. Levo em conta sempre o tempo que o observador precisa para perceber a obra — tempo que pode variar de poucos segundos a alguns minutos — e sua reação diante dela.  Procuro conferir às minhas obras este poder de reter o olhar do espectador. O lúdico convive com o lúcido, tanto na concepção, na montagem, como no título. É assim que minhas realizações se completam: o que era secreto, íntimo, intrínseco, torna-se aberto.  Descoberto.

 

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