A divulgação dos dados mais recentes do governo federal é um espelho implacável da desigualdade estrutural no Brasil: em empresas com 100 ou mais funcionários, as mulheres recebem, em média, 21% menos que os homens. O estudo do 4º Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, divulgado dia 03/11 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, analisou 19,4 milhões de vínculos trabalhistas e consolida o que já era uma percepção amarga e transforma-a em um imperativo econômico e social. Em pleno 2025, a disparidade salarial não é apenas uma injustiça, mas um freio de mão puxado na economia nacional.

Fonte da imagem: Sindicato dos Bancários (2024).
A diferença de 21% é complexa e não se resume à simples “discriminação direta” (embora ela exista). Ela é o resultado de um conjunto de fatores sistêmicos:
- A Penalidade da Maternidade: As mulheres são muito mais propensas a ter interrupções na carreira e a dedicarem mais tempo aos cuidados não remunerados (filhos, casa, idosos). Essa dupla jornada consome tempo e energia que poderiam ser dedicados ao desenvolvimento profissional e à busca por promoções. Empresas ainda relutam em investir em mulheres que podem se ausentar, mesmo que temporariamente, penalizando-as em salários e oportunidades de liderança.
- O Teto de Vidro e o Piso de Lodo: As mulheres continuam sub-representadas nos cargos de alta gerência e direção (o chamado “Teto de Vidro”), que pagam os salários mais altos. Por outro lado, há uma concentração feminina em setores tradicionalmente subvalorizados e com menor remuneração, como serviços de saúde, educação e administrativos (o “Piso de Lodo”). Mesmo quando chegam a cargos de liderança, a diferença salarial em relação aos colegas homens é frequentemente ainda maior.
- Segregação Ocupacional: A associação histórica de certas profissões ao gênero (“divisão sexual do trabalho”) resulta na subvalorização de áreas dominadas por mulheres, como o cuidado e o ensino, em comparação com áreas dominadas por homens, como tecnologia e engenharia de alta gestão.
A desigualdade salarial não afeta apenas a renda individual. Ela drena a saúde econômica do país de modo que os 21% a menos que as mulheres recebem, se traduzem em bilhões de reais que deixam de ser injetados no consumo.
- Freio no Consumo: Mulheres com menor poder de compra têm menor capacidade de investimento em educação para os filhos, saúde e consumo, freando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
- Perda de Produtividade: Estudos internacionais, inclusive do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostram que a equidade salarial e a maior inclusão feminina em cargos de liderança elevam o nível geral de produtividade e a inovação nas empresas. Ao pagar menos, o Brasil perde talento, motivação e, consequentemente, eficiência.
A Lei de Igualdade Salarial, sancionada em 2023, busca combater essa chaga por meio da transparência. No entanto, o relatório prova que a lei é apenas o primeiro passo. Atingir a paridade de 100% exige não só a fiscalização das empresas, mas uma mudança cultural profunda que envolva a ampliação da licença-paternidade e o apoio à creche, desonerando a mulher do papel exclusivo de cuidadora e permitindo que a economia brasileira, finalmente, alcance seu potencial máximo.

