A convivência entre humanos e cães há séculos é marcada por vínculos de afeto, proteção e trabalho. No entanto, em alguns casos, esse laço atinge dimensões ainda mais profundas. É o que mostra a trajetória de Mleue Eva, Cientista e pesquisadora em segurança da aviação, e seu cão de serviço, o samoieda Schrödinger, de 3 anos e meio, cuja atuação vai além do auxílio técnico, tornando-se verdadeira parceria de vida.
Durante o período em que viveu em São Paulo, Mleue estabeleceu uma rotina dominical que incluía café e encontros com uma amiga no bairro do Campo Belo. A reunião semanal acontecia no Brownie Affair, confeitaria localizada a cerca de doze quadras da sua residência. O trajeto era feito a pé, sempre acompanhada de Schrödinger.
Em um desses domingos, ao retornar para casa após o encontro, um episódio mostrou o nível de sintonia entre tutora e animal. Ao se aproximarem da movimentada Rua Vieira de Morais, Schrödinger parou abruptamente, latiu — algo incomum em seu comportamento — e posicionou uma pata sobre Mleue. O alerta do animal foi imediato. “Eu estava distraída, olhei para ele e na hora entendi: ‘Oh no!’”, relata. Instintivamente, ela se sentou na calçada. Logo em seguida, perdeu a consciência.
Ao recobrar os sentidos, Mleue percebeu que Schrödinger estava deitado sobre seu corpo, utilizando o próprio peso para estabilizá-la, exatamente como fora treinado. “Se ele não tivesse me alertado, provavelmente teria caído de frente, com muito mais risco”, afirma. O episódio, embora breve, demonstrou a importância do preparo técnico de cães de serviço e o papel ativo que desempenham na segurança de seus tutores.
Outra experiência significativa ocorreu no retorno da dupla ao Canadá. Em um voo internacional de 11 horas, Schrödinger embarcou antes dos demais passageiros e permaneceu no local designado durante toda a viagem, sem causar qualquer transtorno. “Ninguém sabia que havia um cachorro enorme a bordo”, conta Mleue. Ao desembarcar, o cão aguardou pacientemente a liberação de bagagens, passou sem dificuldades pelas inspeções sanitárias e de imigração, e só então saiu do aeroporto.
O comportamento exemplar de Schrödinger não é exceção, mas reflexo de um treinamento altamente especializado. Segundo Reginaldo Junior, treinador de cães de serviço, esses animais são preparados durante meses — e às vezes anos — para atender a funções específicas ligadas a condições de saúde de seus tutores.
Entre as principais categorias de cães de serviço estão os cães-guia, voltados a pessoas com deficiência visual; cães-ouvintes, que alertam sobre sons para quem tem deficiência auditiva; cães de alerta para diabéticos, capazes de identificar alterações nos níveis de glicose; cães de alerta e resposta para convulsões, treinados para agir antes, durante e depois de crises epilépticas; cães de mobilidade, que auxiliam com tarefas físicas como abrir portas ou pegar objetos; e os cães de serviço psiquiátrico, que ajudam pessoas com transtornos como ansiedade severa, depressão ou estresse pós-traumático.
No caso de Schrödinger, sua atuação combina elementos de alerta físico e estabilização emocional. Ele é capaz de identificar sinais fisiológicos discretos de sua tutora e agir preventivamente para evitar quedas ou crises. Em momentos de perda de consciência, por exemplo, o cão aplica peso sobre o corpo de Mleue para protegê-la de impactos e garantir estabilidade até que ela desperte com segurança.
A formação de um cão de serviço exige treinamento intensivo, adaptação a diferentes ambientes, e, sobretudo, um vínculo profundo com o tutor. “Cada cão é preparado para um perfil específico. Não é apenas um animal bem-comportado, é um profissional treinado para uma missão de vida”, explica Junior.
A legislação brasileira reconhece os cães de serviço e garante a eles o direito de acesso a todos os espaços públicos e privados de uso coletivo. No entanto, tutores ainda enfrentam resistência em alguns ambientes, o que reforça a necessidade de conscientização. “Esses cães não estão ali por conveniência, mas por necessidade. São extensões funcionais de seus tutores”, afirma o treinador.
Para Mleue, Schrödinger não é apenas um cão de serviço. Ele é parte da estrutura física e emocional que sustenta sua rotina. “O tempo todo, o Schrödinger estava ao meu lado, tranquilo, educado, sem incomodar ninguém. Ele sempre soube exatamente onde deveria estar e como deveria se comportar. Ele é muito mais do que um cão de serviço. Ele é meu parceiro.”
A história de Mleue e Schrödinger evidencia a relevância dos cães de assistência na vida de pessoas com condições específicas de saúde e reforça a importância do reconhecimento e da valorização desses animais — não apenas como ferramentas de apoio, mas como membros ativos de uma relação construída na confiança mútua.
Ele é muito bonito, Shou, só dá alegria para a sua tutora..