Infertilidade: um luto solitário 

Sim, maio é o mês das mães, um mês que deve ser muito celebrado, sem dúvida nenhuma. Filhos são bênçãos de Deus e devemos agradecer e homenagear nossas mães pela sua grandiosidade, generosidade e dedicação. Mas para muitas mulheres essa data tem um impacto profundo sobre sua saúde emocional. 

Casais com desejo de ter um filho. O amor amadureceu e agora eles estão prontos para aumentar a família. Vão ao ginecologista, fazem os exames pré-concepcionais e iniciam as tentativas. Passa-se um ano e nada. E os amigos próximos e a família começam com as perguntas (na maioria das vezes inocentes e bem-intencionadas, eu sei): “E aí, quando vem o bebê”? Uma flecha no coração do casal tentante. A cada mês a menstruação sinaliza uma perda, a perda daquela chance. Depois de quase 20 anos trabalhando nessa área, vejo essa situação como o luto da expectativa. Não é fácil.  

Mulheres com dificuldade para engravidar se cobram e muitas vezes acham que o problema é com elas, muito embora cerca de 30% das vezes sejam de causas masculinas e cerca de 35% das vezes sejam causas inerentes ao casal. Sim, a sociedade cobra. Algumas mulheres se afastam do convívio social porque a pergunta machuca, a falta dói e a cobrança fere. Psicólogos que trabalham especificamente com o atendimento de mulheres nessa situação afirmam que muitas desenvolvem um sentimento de inferioridade, inadequação e revolta. Sabemos que muitas delas desenvolvem quadros de depressão e ansiedade.   

O relacionamento conjugal também sofre impacto, tanto pela mecanicidade do ato sexual com objetivo de gravidez, quanto pela dificuldade em se falar sobre o assunto abertamente. Os homens sofrem muito também, não se enganem. Entretanto, eles têm uma forma de lidar com esse sofrimento de forma mais objetiva, com ajuste de planos e expectativas. Ouso dizer que o sofrimento deles por vezes é até mais silencioso, por não quererem aumentar a dor da parceira.  

Algumas mulheres nesse processo interrompem o crescimento de outras áreas de suas vidas. É como se confundissem ao trazer o sentimento de incapacidade e de impossibilidade para outros aspectos do seu cotidiano devido a sentimentos de angústia e impotência. Nesse sentido, é fundamental que elas passem a olhar para outras áreas e reconheçam o seu valor em cada uma delas. Elas devem ser estimuladas a perceber suas habilidades e a diferenciar a dificuldade de engravidar da sua capacidade de gerenciar e exercer com qualidade outras áreas de sua vida como trabalho, lazer e relacionamento amoroso. 

Vejam que falamos não apenas do aspecto físico, orgânico e objetivo que a infertilidade acarreta, mas seu impacto pessoal, mental e social. São pessoas que precisam de apoio. 

Afinal de contas, a dificuldade para engravidar, a infertilidade conjugal, é ou não um problema de saúde? A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Sendo assim, a infertilidade que afeta todas essas áreas da vida do casal deve ser reconhecida, divulgada e tratada. Os casais merecem acolhimento e informação de qualidade para tomada de decisão esclarecida. Eles precisam de apoio e alternativas ao seu luto solitário. 

 IONARA BARCELOS

Médica, Residência Ginecologia/Obstetrícia; Reprodução e Ginecologia Endócrina pela USP – PR. Mestrado / Doutorado em Tocoginecologia – Reprodução Humana pela FMRP – USP.
Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia (TEGO), Reprodução Humana e Ultrassonografia pela Associação Médica Brasileira e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Membro do Comitê de Reprodução Humana da SOGIMIG e membro da Comissão de Residência Médica da Febrasgo. Research Felllow e Honorary Medical Officer – Fertility Centre (Royal Hospital for Women) – Sydney, Austrália.

2 thoughts on “Infertilidade: um luto solitário 

  1. Thaise Meneguelli says:

    Excelente matéria. Muito importante falar sobre esse assunto. Muitos casais enfrentam essa dificuldade e precisam de acolhimento e instrução. Parabéns Doutora Ionara.

  2. Gisele Vissoci Marquini says:

    A jornada do casal infértil merece ser discutida. Que a empatia prevaleça e que esses casais se fortaleçam para a comunhão social. Matéria esclarecedora.

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