Janeiro Branco – repensando a Saúde Mental

A campanha Janeiro Branco, criada em 2014 na cidade de Uberlândia – MG, que tem como missão “inspirar e engajar pessoas, organizações, autoridades e toda a sociedade na criação de uma cultura de Saúde Mental”se consolidou como uma das maiores campanhas do mundo em favor da cultura de Saúde Mental da humanidade. Profissionais liberais, instituições sociais, artistas, líderes religiosos e a Unimed Uberlândia abraçaram os valores da campanha e sua proposta de psicoeducação das pessoas.

De acordo com a médica psiquiatra cooperada Unimed Uberlândia, Dra. Vanessa Machado Gomes Marsden, muitas pessoas confundem saúde mental com transtornos mentais. “Ter uma mente sã não está relacionado à ausência de doenças, mas a uma série de fatores diretamente implicados à sensação de bem-estar”, explica. A especialista revela que estar saudável mentalmente quer dizer estar bem consigo mesmo e as pessoas ao seu redor, sabendo como aceitar e lidar com as demandas da vida, suas emoções (sejam positivas ou negativas) e reconhecer seus limites, procurando ajuda quando necessário.

Mas por que Janeiro Branco? Janeiro é um mês simbólico, início do ano e de um novo ciclo, quando as pessoas fazem metas e planos. A cor escolhida simboliza uma tela em branco, na qual todos podemos escrever novas histórias.

Na entrevista a seguir realizada pela equipe de comunicação da Unimed Uberlândia, a psiquiatra responde a uma série de questões ligadas ao tema.

Como as mudanças hormonais afetam a saúde mental em diferentes estágios da vida?

Ao contrário do que as pessoas imaginam, nossos cérebros não são estáticos e sem mudanças. O tecido cerebral responde aos hormônios nas diferentes fases da vida. Os hormônios sexuais, por exemplo, como estrógeno, progesterona e testosterona afetam o humor, memória e funcionamento cognitivo. Eles também protegem contra, ou aumentar, riscos para transtornos mentais. A esquizofrenia, por exemplo, mais comumente começa na adolescência, principalmente em homens. Nessa época há uma “tempestade” hormonal e pessoas com vulnerabilidade ao transtorno podem apresentar os primeiros sintomas. Após o nascimento de um filho, com as grandes mudanças hormonais como cessação de produção de hormônios pela placenta e amamentação, há o risco de depressão pós-parto. A menopausa aumenta o risco de transtornos de ansiedade em mulheres com vulnerabilidade. Homens com baixa testosterona podem apresentar baixa libido e humor deprimido.

Quais são os desafios específicos enfrentados por idosos/pessoas com deficiência/LGBT em relação à saúde mental?

Como mencionado anteriormente, nosso cérebro não para, está sempre mudando. Todos nós passamos por mudanças cognitivas com a idade, especialmente na memória. A partir da meia-idade fica mais difícil lidar com muitas tarefas ao mesmo tempo (multitasking) e com o avançar dos anos a memória fica mais lenta. Isso é diferente de demência, quando ocorre perda progressiva e degenerativa da memória. A aposentadoria é um fator de risco para depressão: para pessoas ativas, especialmente em cargos de responsabilidade, parar de trabalhar e mudar de rotina subitamente não é o ideal. O aposentado precisa manter atividades regulares para proteger seu cérebro. Aprenda uma nova língua, um instrumento, não desperdice seu potencial! Pessoas com deficiência apresentam risco cinco vezes maior de ter problemas de saúde mental. Se você faz parte dessa população, invista em prevenção: cuide do seu corpo com exercícios e dieta recomendados, e da sua mente através de pausas no trabalho, sono adequado e conexão social: mantenha um círculo de amigos e atividades prazerosas, participe de grupos comunitários ou religiosos, de acordo com suas crenças pessoais. A população LGBT apresenta riscos específicos: metade dessas pessoas teve ou está em um episódio depressivo. Três de cada cinco preenchem critérios para transtornos de ansiedade.Significativamente, um de cada oito pessoas LGBT entre 18 e 24 anos tentaram o suicídio. Para a população trans essa estatística é mais grave: metade já apresentou ideação suicida. 

Por que o julgamento do outro nos afeta tanto?

Na verdade, julgar os outros nos afeta mais do que a eles. Nós somos criaturas sociais e é um instinto natural julgar os que nos cercam: como dirigem, como cuidam dos filhos, as roupas, escolhas políticas, etc. Quanto mais você julga os outros, mais (inconscientemente) você se julga também. Ao constantemente buscar o ruim no próximo, você afina sua mente e busca o ruim em tudo, aumentando seu estresse. É fácil apontar erros, encontrar o bom nos outros exige esforço. Isso não é nada novo! Desde histórias bíblicas a ditados populares, esse conhecimento vem sendo transmitido há gerações.

Qual a relação do ego na busca por aprovação?

Ser reconhecido em um trabalho/atividade bem-feita é bom para todos. Entretanto, algumas pessoas precisam da aprovação de outros constantemente para validação. Em geral, buscar aprovação em outros é sinal de que você não consegue aprovação de si mesmo. Algumas causas são baixa autoestima ou ter experimentado negligência na infância. As experiências infantis moldam nossas atitudes adultas: quando você nota e aprova o comportamento de uma criança, você aumenta o senso de autovalor dela. Eventualmente a criança fica mais confiante em seu senso interno de valor e não precisará mais de aprovação exterior. Adultos saudáveis perguntam a seus amigos se gostaram de um visual, pedem opinião sobre suas percepções, etc. Esses comportamentos servem como um espelho para afinar sua percepção de uma situação. A diferença é que a felicidade e senso de valor não dependem da resposta dos pares. Os amigos podem apontar uma falha no raciocínio, não gostar da sua blusa e sua autoestima não será afetada. Diferentemente de pessoas com baixa autoestima, essas informações serão utilizadas para ajudar a formar uma opinião.

Porque “descontamos” nossa raiva em quem a gente ama?

Segundo as teorias da psicanálise, existem vários mecanismos de defesa do Ego contra o estresse. Alguns mais evoluídos, outros menos. Nós utilizamos esses mecanismos de forma inconsciente. Um deles é o Deslocamento: consiste em transferir as características ou atributos de um determinado objeto para outro objeto. Por exemplo: receber uma bronca do chefe (não pode responder à altura para não comprometer o emprego), ficar pensando nisso o dia inteiro e, assim que chegar em casa, chutar o cachorro como se ele fosse o responsável pela frustração. Se, entretanto, seu parceiro (a) desconta a frustração em você de forma rotineira ou abusiva (xingamentos, ameaças, violência física ou psicológica) o ideal é repensar esse relacionamento e procurar uma estratégia de saída. A terapia é o local para lidar com mecanismos de defesa involuídos e relacionamentos abusivos.

Porque existem pessoas que não conseguem se perdoar/esquecer?

Perdoar é diferente de esquecer. Em algumas situações como relacionamentos abusivos, não pode haver perdoar e esquecer. A pessoa abusada tem que aprender a reconhecer o padrão para crescer pessoalmente e não repeti-lo. A terapia é chave nessas situações. Outros casos como traumas anteriores requerem remexer na dor para progredir. Somos criaturas que evitam a dor. Perdoar uma mãe narcisista envolve lidar com a imagem dela e reviver o drama. A primeira indicação é terapia.

Qual é a relação entre a autoestima e a saúde mental?

A baixa autoestima reduz a qualidade de vida de várias formas: a autocrítica constante leva a sentimento de tristeza, ansiedade, raiva, vergonha e culpa.

Como o luto afeta nossa saúde mental?

O luto é a resposta natural à dor. É o sofrimento emocional quando alguém ou alguma coisa que amamos é tirada de nós e essa dor pode ser avassaladora. É uma oportunidade para compreendermos a perda e passar pelo processo de curaemocional.Ele precisa de tempo, aceitação da dor e se permitir temposuficiente para processá-la.

Sobre a importância da autocompaixão: como lidarcom a pressão social para atender aos padrões debeleza e sucesso?

Todos sofremos pressão social e dos pares para ter uma vidade Instagram. Para evitar o estresse,tenha expectativasrealistas da vida: por exemplo, é possível ter uma Ferrari nagaragem? Sim, algumas pessoas têm. É provável? Pouco,poucas pessoas de altíssimo nível social podem esbanjar numcarro de luxo. O Ego ideal é a expectativa que você tem de simesmo, o Ego real onde você está hoje. Quanto maior adiferença entre seu Ego real e o ideal, maior a frustração.Estabeleça metas reais para o desenvolvimento pessoal:comece perdendo 3kg. Ao atingir a meta, estabeleça outra, tangível. Utilize a mesma proposta para o sucessoprofissional. Quase ninguém começa a carreira como CEO.Ninguém consegue fazer tudo perfeitamente. Muitasmulheres sofrem na maternidade, com a expectativa queserão mães perfeitas, donas de casa exemplares, manterão acarreira profissional a toda e ainda terão vigor para noites deamor. Ninguém dá conta de tudo! Aprenda a priorizar.

Sobre o hábito de se comparar: quando isso começa?Quais as consequências?

O hábito de se comparar (também conhecido como peerpressure) é a pressão que um grupo exerce direta ouindiretamente sobre um indivíduo para se conformar. Podevir de uma pessoa como um dos pais ou das expectativas dasociedade e cultura da pessoa. Essa pressão causatransformações no comportamento, opiniões e sentimentos.Embora as pessoas acreditem que isso começa naadolescência, a pesquisa mostra que por volta de 9 anos deidade as crianças já começam a se cobrar e comparar: osamigos formam as “panelinhas” que excluem crianças quenão participam da dinâmica desses grupos comocomportamentos, roupas, atitudes.A pressão/comparação pode ser benéfica ou não:adolescentes podem se comparar com seus pares que agem deforma ativa na sociedade e passar a ter as mesmas atitudes.As pressões negativas são mais conhecidas como para usarálcool e tabaco (que ainda trazem a aparência de ‘divertidos’)e preocupações excessivas com o corpo.

Dependência emocional não é apenas emrelacionamentos afetivos, está ligada a família,amigos, trabalho?

A dependência emocional é uma situação pervasiva, ou seja,não acontece só no relacionamento. Geralmente essa pessoademonstra esse comportamento em diferentes áreas da vida.São pessoas que têm incapacidade de aceitarresponsabilidade por seus próprios sentimentos e precisamde validação de outros como aprovação dos pais ou doparceiro (a) para definir sua personalidade e seu valor. 

Como a exposição constante a notícias negativas ouredes sociais em excesso afeta a saúde mental?

As más notícias começam como o homem primitivo: com aevolução da linguagem, nossos ancestrais, que viviam emgrupos de no máximo 150 indivíduos, podiam receber másnotícias como desastres, mortes, doenças ou ameaças dessepequeno grupo ou da vizinhança imediata. Assim, recebernotícias ruins alertava para a presença de predadores, fomeou ameaças da vizinhança. A ansiedade desenvolvida poressas situações foi possivelmente adaptativa: melhorar alimpeza, conferir a segurança da periferia, preparar o corpopara períodos difíceis (resposta de luta e fuga). As másnotícias eram provavelmente discutidas e compartilhadascom outros membros do grupo primitivo.Atualmente, nós assistimos noticiários sozinhos, sem teralguém com quem comentar, recebendo más notícias dooutro lado do mundo como a guerra na Ucrânia, o confrontoIsrael-Palestina, etc.Na prática clínica, pedimos aos pacientes com transtornos deansiedade que evitem assistir noticiários policiaisexuberantes.

Sobre “válvulas de escape”: Qual a importância de sedistrair? Dicas.

Se você quer manter a mente saudável, cuide da sua rotina:exercícios, sono e dieta adequada. Passar tempo ematividades prazerosas aumenta a sensação de bem-estar.Progressivamente estamos perdendo os hobbies: a cadageração menos pessoas praticam atividades de lazer.Alguns felizardos conseguem contar o exercício físico comohobby, sentindo prazer na musculação, por exemplo. Paraoutras pessoas o exercício é uma obrigação. O hobby é umaatividade que a pessoa exerce por prazer apenas. Não é paracrescimento profissional. Geralmente são atividadesmecânicas, repetitivas, deliciosas nas quais ficamos melhor acada prática: crochê, pintura, bordar, cozinhar, jogar xadrez,etc…

São atividades que cobram apenas 1 hora da sua semana, naqual a pessoa se diverte e faz por gosto. São altamenterecomendadas para diminuir a ansiedade, melhorar aautoestima e porque são divertidas. 

Sobre a ansiedade, receio, nervosismo, comopodemos identificar os primeiros sinais.

A ansiedade é parte da vida, provavelmente uma respostaevolutiva frente a perigos do ambiente: quando confrontadoscom uma ameaça, o corpo reage para preparar a reação de lutaou fuga. O coração acelera, a respiração fica diferente, apupila dilata…

Os genes que regulam a ansiedade tiveram impacto nahistória evolutiva da humanidade: o homem primitivo maisansioso não se aventurava na toca dos leões, sobrevivia epassava esses genes para sua prole. Essa é uma das teoriasque tentam explicar porque a cada geração apresentamosmais ansiedade. É importante lembrar que por maisevoluídos, nós somos animais: seu corpo entende que suapreocupação com uma prova de matemática é a mesma coisaque uma cobra na periferia e prepara seu sistema para lidarcom a ameaça: transpiração, tremor, aceleração do coração,etc.

Quando a ansiedade causa prejuízos no trabalho, no seuconvívio pessoal ou sofrimento, é hora de procurar ajuda deum profissional da área: psicólogos ou psiquiatras.

Quais são as estratégias eficazes para lidar com oestresse no cotidiano?

A chave para a saúde mental é a vida saudável: mantenhauma rotina regular de sono, exercite-se regularmente,tenha alimentação saudável. A rotina de exercícios ajuda muito alidar com o estresse, liberando endorfinas, que dão sensaçãode prazer e diminuindo o cortisol, o hormônio do estresse.

Dra. Vanessa Fabiane Machado Gomes Marsden FOTO Unimed Uberlândia

Como a nutrição e a alimentação podem afetar asaúde mental?

Nosso cérebro é uma “Supermáquina” e como qualquermáquina requer cuidado e combustível. Se você tem anemiapor não ingerir ferro o suficiente, o cérebro não recebeoxigênio suficiente. Já vimos pacientes delirando por anemia.Eles não precisavam de medicamentos, mas de transfusão desangue, que resolveu o sintoma.O cérebro precisa de glicose, o açúcar no qual os alimentossão metabolizados. Assim, dietas muito restritivas causamsintomas mentais. É muito comum na nossa prática receberpacientes no primeiro ano da cirurgia bariátrica queperguntam se têm déficit de atenção. Na verdade, eles têmalterações metabólicas sistêmicas pela perda de peso intensa,e a dificuldade de memória e atenção é restrita a esse período,se eles fazem o acompanhamento e reposição adequados.Se você não tem outros problemas de saúde, a alimentaçãosaudável com frutas, verduras, carboidratos e derivados dacarne supre as necessidades do metabolismo cerebral comoderivados do complexo B, glicose, zinco, etc.

 

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