No Brasil, ser pai vai muito além do reconhecimento no registro de nascimento
Com base nos registros de Cartório de todo o Brasil em 2023, até o momento, estima-se que mais de 104.709 crianças que nasceram foram registradas apenas com o nome da mãe. Até julho, mais de 1.526.602 crianças foram registradas. Este número significa que quase 7% de todos os nascimentos registrados nos sete primeiros meses deste ano, foram de bebês sem o registro do pai na Certidão de Nascimento.
No Portal da Transparência, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), disponibiliza, além de dados de Reconhecimentos de Paternidades, os dados atualizados da quantidade de crianças registradas só em nome da mãe no Brasil – denominadas “Pais Ausentes”, nos Cartórios de Registro Civil. E, de acordo com os dados de 2016 a 2023, as regiões: Nordeste e Sudeste, lideram o ranking de pais ausentes.
De acordo com as leis brasileiras, o registro de nascimento, quando o pai for ausente ou se recusar a realizá-lo, pode ser feito somente em nome da mãe que, no ato de registro, pode indicar o nome do suposto pai ao Cartório, que dará início ao processo de reconhecimento judicial de paternidade. A Constituição e as leis infraconstitucionais brasileiras garantem o direito à paternidade como um direito humano fundamental, permitindo-se que ele seja feito tanto de maneira espontânea, no próprio termo de nascimento, quanto por escritura pública ou por testamento. Além disso, a legislação nacional garante o reconhecimento de paternidade de forma “forçada”, por meio de decisão judicial.
Com o intuito de estimular o reconhecimento de paternidade de pessoas sem esse registro, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o programa “Pai Presente”. Quando a mãe quer que o pai reconheça o filho, menor de 18 anos, ela poderá apontar o suposto pai de forma direta, bastando ter nas mãos a certidão de nascimento do filho; ir ao cartório mais próximo para preencher um formulário padronizado e aguardar o procedimento judicial de investigação de paternidade oficiosa iniciar. Depois desse processo, um juiz inicia a investigação de paternidade oficiosa, que é o processo administrativo onde, conduzidas pelo juiz, envolve-se todas as etapas para apuração das informações fornecidas pela mãe em relação ao suposto pai.
O conceito jurídico de família mudou nos últimos anos e, concidentemente, refletiu na noção de filiação e paternidade. Na última década, os operadores do direito e os legisladores pátrios foram obrigados a rever o conceito de família. Com o reconhecimento de novas entidades familiares, tais como: as famílias advindas das uniões estáveis e casamentos heterossexuais e de pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, bem como os núcleos familiares formados por uma pessoa e animais ou também chamadas comunidades monoparentais. Sendo assim, vemos que o que mais funda a noção contemporânea de “família” é o afeto.
O direito à “Dupla-Paternidade”: a possibilidade de ter dois pais – sejam eles um biológico e um socioafetivo ou dois pais socioafetivos. Para além do melhor interesse da criança, cabe destacar que, desde 10 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou o Art. 1790, do Código Civil, inconstitucional, permitindo a família formada pela união estável entre os casais do grupo LGBTQIAPN+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queers, Intersexuais, Assexuados, Pansexuais, Não-Binários etc.). Diante dessa afirmação constitucional, não há impedimentos para que uma família LGBTQIAPN+ possa exercer o seu direito à filiação, sempre ressaltando que o elo à afetividade é o grande componente para estabelecer família na modernidade.
Em casos de pais agressores, havendo indícios de situação de risco para a criança, é devida a proteção estatal necessária com a adoção de medida protetiva em desfavor dos genitores agressores também em relação à suspensão do direito de guarda e visita dos filhos. As medidas protetivas de urgência são requerimento de proteção à vítima, diante de uma situação de risco. Elas se fundamentam não apenas em prova cabal de um crime, nos termos dos artigos 19 e 40 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), mas também em indícios suficientes de uma situação de risco.
O Direito pode obrigar o pai a registrar o nome, a ser presente e a custear o mínimo de alimentos, mas raramente irá obrigar, realmente, os pais de amarem verdadeiramente os seus filhos. No mais, não basta ser/ter pai, tem que participar!
Por: Rafhaella Cardoso
Advogada Criminalista. Pós-doutorado em Processo Penal pela UFMG e Doutora em Direito Penal pela USP. Mestre em Direito Público pela UFU. Especialista em Ciências Penais pela UNISUL e em Contabilidade e Gestão Tributária pela FACIC-UFU. Graduada em Direito pela UFU.