Inflação e alta nos custos de manutenção agravam atrasos; especialista alerta para impactos financeiros, riscos jurídicos e necessidade de gestão mais transparente
Portaria sem pessoal, elevadores parados e obras de manutenção indefinidamente adiadas. Essa pode ser a realidade de muitos condomínios caso a inadimplência continue crescendo no ritmo atual. No primeiro trimestre de 2025, a taxa de atraso nas contribuições condominiais atingiu 17%, um recorde em comparação ao mesmo período do ano anterior.
O aumento está diretamente ligado à inflação e à alta nos custos de manutenção, serviços e infraestrutura, o que pressiona os orçamentos familiares e compromete a arrecadação dos edifícios. Dados do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos (IEPTB-SP) mostram a dimensão do problema: apenas no estado de São Paulo, foram 1.219 protestos de dívidas condominiais em cartório nos primeiros três meses deste ano. Em 2024, o número chegou a 4.559 – um salto de 700% em relação a 2020, quando haviam sido registrados 569 casos.
Para o advogado Fernando Alvarenga, especialista em Direito Civil, Imobiliário e Condominial, a inadimplência não decorre apenas de dificuldades financeiras, mas também de falhas na gestão. “Muitas vezes há falta de cobrança periódica, o que cria a sensação de que dá para ‘empurrar’ o pagamento. O que muitos esquecem é que cada atraso compromete a segurança, a manutenção e até a valorização do próprio patrimônio”, afirma.
IMPACTOS IMEDIATOS E EFEITO DOMINÓ
O efeito da inadimplência no dia a dia é imediato. Sem a entrada regular de recursos, o caixa do condomínio se fragiliza e obrigações básicas passam a depender de arrecadações extras. “A inadimplência não é só um problema financeiro; é um risco operacional. Ela atrapalha o planejamento, piora o poder de barganha com fornecedores e aumenta o desgaste entre vizinhos, porque os adimplentes sentem no bolso a transferência de custos”, explica Alvarenga.
Do ponto de vista jurídico, o especialista lembra que o condomínio dispõe de diferentes ferramentas para enfrentar a inadimplência. O primeiro passo é sempre a negociação extrajudicial, com possibilidade de acordo e parcelamento formalizado em confissão de dívida. Persistindo a mora, o condomínio pode protestar as cotas em cartório, negativar o devedor e restringir sua participação em assembleias. “Esgotadas as tentativas, resta a execução judicial, que pode culminar até na penhora do imóvel”, alerta o advogado.
Além das medidas legais, a boa governança condominial é vista como fator essencial para evitar conflitos. “Quando há transparência nos balancetes, clareza nos contratos e assembleias bem convocadas, os moradores entendem a relação entre a taxa paga e o serviço entregue. Isso reduz a resistência ao pagamento e fortalece o senso de responsabilidade coletiva”, avalia Alvarenga.
REAJUSTE DAS TAXAS: QUANDO É POSSÍVEL
Outra frente importante é a atualização das taxas condominiais. Segundo o advogado, a regra é aprovar a previsão orçamentária em assembleia ordinária, mas situações excepcionais — como dissídios coletivos, aumentos imprevistos de contratos essenciais ou danos estruturais — permitem reajustes extraordinários. “O fundamental é que tudo seja aprovado em assembleia, com justificativas claras e registro em ata. A legalidade e a transparência protegem a gestão contra futuras contestações”, orienta.
No cenário atual, o desafio dos condomínios é equilibrar contas sem perder eficiência. Para Alvarenga, a receita passa por disciplina de cobrança, comunicação clara e engajamento dos moradores. “Condomínio é vida em comunidade. Sem compromisso coletivo, todos perdem.”