A recente tarifa de 50% imposta por Donald Trump sobre produtos brasileiros vai além de uma decisão econômica isolada. Segundo analistas, trata-se de uma manobra com claros contornos políticos, voltada a pressionar o Brasil em duas frentes: desestabilizar o bloco BRICS e interferir diretamente no funcionamento da Justiça brasileira — em especial, nos processos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O especialista em Direito Eleitoral Wallyson Soares alerta que essa movimentação pode configurar crime previsto na Lei das Organizações Criminosas, especialmente no artigo 2º, que trata de atos que embaraçam investigações. “Bolsonaro pode inclusive ter a prisão preventiva decretada porque está claro que ele estimula Eduardo Bolsonaro a intervir por ele”, afirma. Segundo ele, “Eduardo Bolsonaro também pode ter a prisão decretada a pedido da PGR”.
Para Soares, a instrumentalização da política externa norte-americana com objetivo de influenciar decisões internas do Judiciário brasileiro escancara um problema grave: o uso de mecanismos internacionais para constranger instituições democráticas. “Quando um país se utiliza, de forma direta ou indireta, para atingir outro, como no caso do Trump tentando interferir na Justiça brasileira, isso pode ser considerado violação de tratados internacionais, como a própria Carta das Nações Unidas”, explica o especialista.
O Artigo 2º da Carta da ONU determina que os Estados-membros devem respeitar a soberania uns dos outros e resolver suas controvérsias por meios pacíficos, sem ameaças ou uso de força — exatamente o oposto do que, segundo Soares, representa o tarifaço norte-americano.
A ofensiva de Trump também tem como alvo o BRICS — bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e outros países emergentes. O Brasil, sob a liderança do presidente Lula, vem apoiando medidas como a desdolarização das trocas internacionais e a criação de um banco de desenvolvimento alternativo ao FMI. A resposta americana, por meio das tarifas, pode ser lida como uma retaliação direta a esse movimento.
“Ao tentar desestabilizar economicamente o Brasil, Trump também mina um dos pilares políticos do BRICS e busca recolocar o país sob a órbita dos interesses norte-americanos”, afirma Wallyson. Ele ressalta que o momento escolhido para o anúncio — em meio ao julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado — não é coincidência.
De acordo com o especialista, o ex-presidente e seus aliados vêm usando uma estratégia de “solidariedade autoritária”, na qual líderes da extrema direita global se apoiam mutuamente em nome da autopreservação. “O Jair Bolsonaro já usa esse argumento porque é mais fácil buscar uma saída política do que jurídica. A politização desse processo é a última trincheira para ele”, observa.
Na avaliação de Wallyson, essa articulação serve tanto para gerar pressão sobre o Supremo Tribunal Federal quanto para ativar a base bolsonarista nas redes e buscar apoio internacional. “A ideia é apresentar Bolsonaro como vítima de um complô judicial e, com isso, negociar uma possível anistia ou perdão judicial”, pontua.
O especialista ainda destaca o risco concreto dessa estratégia para a democracia brasileira. “Quem tenta influenciar ou impedir o curso de uma investigação relacionada a organização criminosa incorre no crime de embaraço, conforme a legislação brasileira”, diz. O parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 12.850/2013 prevê pena de três a oito anos para quem tentar atrapalhar apurações desse tipo.
O uso da política internacional como escudo para defender um réu da Justiça brasileira — avalia Soares — coloca o país em uma posição delicada perante a comunidade internacional. “Estamos diante de uma tentativa de transformar o Brasil em palco de uma nova guerra híbrida, onde política, economia e Justiça são manipuladas por lideranças autoritárias transnacionais”, alerta.
Para ele, é fundamental que as instituições nacionais — como o Congresso, o STF e a Procuradoria-Geral da República — mantenham firmeza diante dessa pressão externa e interna. “O país precisa resistir a essas articulações, sob pena de comprometer sua soberania e os fundamentos do Estado de Direito”, conclui