A (esperada) Trajetória da Operação Lava Jato no Brasil: Ascensão, Auge e Declínio

“O santo Império Romano não era santo, nem Império e nem mesmo Romano.” Voltaire

 

“É preciso que não nos deixemos enganar: “não julguem” dizem, mas eles mandam tudo que atravesse seu caminho para o inferno.” Friedrich Nietzsche

 

A Operação Lava Jato, iniciada em 2014, completou nove anos em 17 de março. A investigação da Polícia Federal resultou na prisão de condenados do mensalão e de um doleiro do Banestado, revelando um esquema de desvios e lavagem de dinheiro estimado em R$ 10 bilhões na época. A operação teve início com os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater.

Ao longo dos anos, Sérgio Moro e Luiz Inácio Lula da Silva desempenharam papéis decisivos, com Moro se tornando um herói para alguns e Lula indo de figura de destaque a réu vestido de presidiário. A Lava Jato teve seu auge com a prisão de um ex-presidente e enfrentou desafios com a saída de Moro da magistratura e anulações de condenações de Lula pelo STF. Foram realizadas 80 fases de investigação e homologadas 120 delações premiadas. A operação impulsionou o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016, mas enfrentou obstáculos que minaram sua eficácia, incluindo a divulgação de mensagens entre Moro e procuradores obtidas por hackers.

 

Na linha do tempo dos acontecimentos:

 

ANO 2014:

Homologação das primeiras delações

  1. No dia 29 de setembro, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, homologa o acordo de colaboração do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. O acordo incluiu a devolução de US$ 25,8 milhões, além de uma Land Rover no valor de R$ 300 mil, que ele recebeu do doleiro Alberto Youssef, e o pagamento de uma multa de R$ 5 milhões.
  2. A regra do jogo: Em 8 de outubro, após o primeiro turno da eleição presidencial – em que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) foram para o 2.º turno -, Costa e Youssef, presos em Curitiba, são interrogados pelo então juiz federal Sérgio Moro. Eles confessam que a corrupção era “a regra do jogo” nos contratos da Petrobrás. Os primeiros delatores da Lava Jato afirmaram que políticos do PT, PP e MDB recebiam 3% dos valores dos contratos. Afirmaram também que dinheiro da corrupção havia financiado a campanha de 2010. As revelações dão nova dimensão à Lava Jato, arrastando as empreiteiras Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. “Quem não paga não participa”, disse Costa. Em novembro, a PF deflagra a Operação Juízo Final, colocando na cadeia executivos da Camargo Corrêa, OAS e Mendes Junior, e o ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, o “homem do PT” no esquema. A operação mostra os resultados das delações de Costa e Youssef. “Que país é esse?”, foi a frase dita por Duque ao ser preso em sua casa.

ANO 2015

  1. Inquéritos contra parlamentares: Em 6 de março, o Supremo determina a abertura de investigação contra 47 políticos suspeitos de envolvimento no esquema na Petrobrás. As delações de Youssef e Costa embasam os inquéritos. Pela primeira vez na história, o STF autoriza a abertura de investigação criminal contra a cúpula do Legislativo. Renan Calheiros (MDB-AL) e Eduardo Cunha (MDB-RJ), então presidentes do Senado e da Câmara, são acusados de atuarem como “funcionários” de empreiteiras, segundo o Ministério Público.
  2. Três meses depois, em junho, a Lava Jato prende os presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo. Começa a contraofensiva jurídica contra a Lava Jato, com a entrada de grandes escritórios de advocacia.

ANO 2016

“PF bate na porta da Jararaca”

  1. No dia 4 de março, o ex-presidente Lula foi surpreendido com a chegada dos delegados da Operação Lava Jato em seu apartamento em São Bernardo do Campo (SP). Ao abrir a porta, Lula fez uma pergunta descontraída: “Vocês não trouxeram o japonês da Federal também, né?”. O objetivo da operação era levar Lula coercitivamente para prestar depoimento no Aeroporto de Congonhas, diante de um forte esquema de segurança, pressão de políticos aliados e manifestações de apoiadores. Nesse momento, o foco das investigações já se voltava para o triplex no Guarujá e o sítio em Atibaia, que eram alvos dos investigadores.
  2. Na sede do PT em São Paulo, Lula desafiou a Lava Jato ao declarar: “A jararaca está viva”, reafirmando sua intenção de concorrer à presidência em 2018.

Dilma cai e Moro é questionado

Em março de 2016, as escutas telefônicas de um celular usado por Lula foram divulgadas pelo juiz Sérgio Moro. Nessa conversa, a então presidente Dilma Rousseff informou que nomearia Lula como ministro da Casa Civil. A quebra de sigilo de Dilma gerou críticas de juristas e a força-tarefa da Lava Jato interpretou como uma manobra para conceder foro privilegiado a Lula e evitar sua prisão. A divulgação da conversa causou protestos e a posse de Lula como ministro foi impedida por uma decisão de Gilmar Mendes, agravando a crise política. O ministro Teori Zavascki rejeitou o uso da gravação, alegando violação da competência do Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, Dilma sofreu impeachment e Eduardo Cunha foi afastado da presidência da Câmara, ambos adversários políticos de Lula.

A força-tarefa carioca

  1. No dia 7 de junho, o Ministério Público Federal (MPF) cria a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, com base nas investigações relacionadas à Eletronuclear. Em novembro, o ex-governador Sérgio Cabral é preso por acusações de desvios de verbas de obras. A partir desse momento, Cabral enfrentou uma série de condenações, totalizando hoje mais de 300 anos de pena.

ANO 2017

  1. O ministro Teori Zavascki faleceu em um acidente aéreo em Paraty, lançando dúvidas sobre o futuro da operação Lava Jato. Na ocasião, a equipe de Teori estava concluindo a análise dos depoimentos de 77 executivos da Odebrecht.
  2. Em decorrência da morte de Teori, a presidente do STF, Cármen Lúcia, homologou as 77 delações da empreiteira, conhecidas como “delação do fim do mundo”. O novo relator da operação, escolhido por sorteio eletrônico, foi Edson Fachin.
  3. Lula e Moro frente a frente

Em 10 de maio, o ex-presidente Lula é interrogado pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba no caso do triplex do Guarujá. Moro nega qualquer desavença pessoal com Lula e afirma que a acusação foi feita pelo Ministério Público Federal. Dois meses depois, Lula é condenado por Moro a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro relacionados ao triplex. Durante a apresentação da denúncia, o procurador Deltan Dallagnol utiliza um “PowerPoint” que coloca Lula no centro de vários escândalos.

  1. Em 17 de maio, o jornal O Globo divulga uma gravação em que o empresário Joesley Batista conversa com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu. A Procuradoria acusa Temer de tentar comprar o silêncio de Eduardo Cunha. Rodrigo Rocha Loures, um aliado do presidente, é filmado carregando uma mala com R$ 500 mil e acaba sendo preso. A Câmara dos Deputados rejeita as denúncias apresentadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer.

ANO 2018

  1. Em 5 de abril, a prisão de Lula é ordenada após sua condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex. A pena é ampliada para 12 anos e 1 mês. Após resistir por dois dias, Lula se entrega em 7 de abril. Seu registro de candidatura é negado pelo TSE.
  2. STF derruba condução coercitiva em 14 de junho, o Supremo Tribunal Federal decide que a condução coercitiva de investigados viola a Constituição, impactando a operação Lava Jato.
  3. Moro aceita convite de Bolsonaro, em 1º de novembro, o juiz Sérgio Moro aceita o convite para comandar o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, encerrando sua carreira de magistrado e sua participação na Lava Jato.
  4. Em 8 de novembro, a Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato, resulta na prisão de dez deputados estaduais do Rio de Janeiro. O relatório do Coaf identifica movimentações suspeitas nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, relacionadas às “rachadinhas”.

ANO 2019

  1. Em março de 2019, o ex-presidente Michel Temer é preso pela Lava Jato do Rio de Janeiro por suposto envolvimento em um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro.
  2. No entanto, ele é logo solto. Em junho, o site The Intercept Brasil começa a divulgar mensagens privadas atribuídas ao ex-juiz Sérgio Moro e a procuradores da Lava Jato, o que gera acusações de conluio para prejudicar o ex-presidente Lula. Em setembro, Augusto Aras assume a Procuradoria-Geral da República, criticando a Lava Jato.
  3. Em novembro, o STF decide contra a execução antecipada da pena, abrindo caminho para a soltura de Lula.

ANO 2020

  1. Em abril de 2020, Moro deixa o governo e acusa o presidente Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal.

ANO 2021

  1. No início de março de 2021, o ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente Lula, buscando neutralizar as discussões sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
  2. No dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes decidiu levar para julgamento a discussão sobre a atuação de Moro no caso do triplex, o que pode ter um impacto significativo na Lava Jato. Esses eventos colocaram em xeque a continuidade e o futuro da operação.

ANO 2023

  1. Dando um salto para 02 anos depois, A Operação Lava Jato enfrentou um esvaziamento no STF, resultando na paralisação de 27 processos. Além disso, as empresas envolvidas na operação sofreram redução em seu porte, realizaram demissões em massa e estão buscando revisar as penalidades impostas.

Por fim, a Operação Lava Jato teve impactos significativos nas empresas envolvidas e nas contas públicas. Houve uma redução no faturamento das empresas, levando a uma diminuição no pagamento de impostos, totalizando cerca de R$ 47,6 bilhões em valores atualizados. Em contrapartida, as multas e o ressarcimento de dinheiro desviado da Petrobrás resultaram em uma recuperação de apenas R$ 7,6 bilhões em valores atualizados.

Além disso, a Lava Jato provocou mudanças institucionais no Judiciário, Ministério Público e Congresso, visando evitar abusos e erros em futuros processos e investigações. Essas mudanças têm impacto na autonomia das forças-tarefas, tornando-as menos independentes do que antes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) desempenhou um papel relevante nesse contexto, proibindo a prisão após condenação em segunda instância, e estabelecendo uma nova tese sobre a ordem das alegações finais entre delatores e delatados. Essas transformações e restrições impostas pelo STF e outras instituições tornam improvável a ocorrência de uma nova operação semelhante à Lava Jato, limitando sua abrangência e impacto no combate à corrupção.

Finalizamos esse apanhado, compreendendo que, como em todo império, temos o apogeu e a queda, e, sem discordar das duras críticas nas palavras do Advogado Criminalista Kakay:

“”De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade.” (Joseph Goebbels). Quando a operação “lava jato” começou, o setor estruturado do marketing fez uma opção que considerei infantil e maniqueísta, mas que se revelou eficiente. As pessoas que ousassem apontar excessos eram tachadas de contrárias ao combate à corrupção. Como se a dita operação fosse a solução dos problemas do Brasil, quase uma entidade divina para dar respostas a todas as perguntas existenciais do brasileiro, entoando: pergunte à “lava jato” (…) Deviam ler Pessoa: “Aos que a fama bafeja, embacia-se a vida”.

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Por Equipe Rafhaella Cardoso Advocacia,

Rafhaella Cardoso e Jéssica Rodrigues Amaral.

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