Um bate papo com a Dra. Rafhaella Cardoso
A educação, valores, saúde e cultura são as nossas maiores riquezas
RS: Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória familiar e acadêmica até chegar no seu posto de Advogada Criminalista, Dra. Rafhaella Cardoso:
R: Nasci em Monte Carmelo-MG na data de 29/09/1985, filha de mãe solteira, morei com minha avó e tias até quase terminar o 3º colegial. Vim para Uberlândia-MG em janeiro de 2003 para tentar o Vestibular da UFU, quando fui aprovada no Vestibular Seriado PAIES-UFU para o Curso de Bacharelado em Direito Noturno e moro aqui desde então. Sou filha de Vera Sebastiana Cardoso, do lar e professora e do Pai (Biológico) Milton Araújo (in memoriam), que foi contador, delegado de polícia e secretário parlamentar em Monte Carmelo-MG. Mas fui criada e me considero filha do meu Pai Afetivo Elcio Paranhos Costa, que é comerciante e pecuarista em Monte Carmelo-MG. Sou mãe da Valentina Cardoso Langoni, estudante, de 9 anos, cursa o 5º ano fundamental, fruto do meu primeiro casamento. Atualmente estou noiva de Wilsinho, com quem convivemos há 6 anos e, em breve, será meu segundo marido. Sempre amei estudar. Tudo o que era relacionado à escola e ler eram as minhas paixões desde criança. Amava aulas de história, geografia e inglês. Estudei da pré-escola ao ensino médio em escola pública, Dona Sindá e Polivalente, respectivamente, em Monte Carmelo-MG. Comecei a trabalhar como assistente contábil aos 12 anos de idade junto ao Escritório Líder Contábil em Monte Carmelo-MG, exercendo função de “office girl” – uma pseudo assistente contábil – e, até mesmo, de faxineira do escritório. Mas eu sempre queria mais. Tinha aquele sonho de sair da cidade pequena e ir morar na cidade grande. Queria viajar o mundo todo. E ainda quero.
RS: Como e por que decidiu pela Advocacia Criminal?
R: Graduei-me em Direito na UFU em 2008. Durante o curso, estagiei desde o segundo ano de faculdade (3º período) de forma voluntária em vários lugares e entidades públicas, mas foi na área criminal da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, sob a supervisão do Professor e Promotor de Justiça, Dr. Fábio Guedes e no Gabinete da Vara do Tribunal do Júri, com o magistrado Dr. Dimas Borges de Paula que mais me identifiquei. Apressada em me colocar no mercado de trabalho, prestei a prova e passei no Exame da OAB antes de concluir grau – detalhe que a 2ª fase da OAB foi no domingo seguinte ao meu baile de formatura! Tive que sair da festa mais cedo e ir no outro dia de manhã fazer prova! Daquele jeito…, mas deu certo! Quando me formei, apesar de ter sido muito boa aluna e ter tido uma extensa experiência com estágios em órgãos públicos, não consegui emprego de forma imediata na área jurídica. Lembro de ir de porta em porta nos escritórios, a pé, deixar currículos, mas poucos retornavam o contato.
Nas primeiras oportunidades de trabalho na minha área jurídica, sofri assédio sexual de um Juiz no seu gabinete, durante uma entrevista de emprego e, depois, assédio por parte de um advogado, na primeira semana de trabalho em seu escritório, e, assim, dispensei imediatamente as vagas. Sem condições financeiras para me manter em Uberlândia e não querendo voltar a morar em Monte Carmelo, fui trabalhar como atendente de Telemarketing na Callink, até conseguir vaga como Advogada Junior no Coimbra Advocacia. Enquanto isso, aproveitei para fazer Especialização em Ciências Penais pela UNISUL-LFG em 2008-2009. Foi então que, finalmente, fui aprovada no Processo Seletivo Simplificado para ser Professora Substituto da UFU em 2009 e me tornei Professora de Direito de uma Universidade Federal aos 24(vinte e quatro) anos (muita responsabilidade lecionar sem quase nenhuma experiência, mas eu enfrentei o desafio!). Comecei a exercer a Advocacia Criminalista como Orientadora de Estágio na área Criminal da Assistência Judiciária da UFU, atual ESAJUP-UFU de 2009-2011, onde me apaixonei perdidamente ainda mais pela temática, mormente por ser “pro bono” – ou seja, atuamos para pessoas carentes e muito gratas, que não tinham muitas perspectivas de vida e nem condições de arcar com as despesas de um advogado. Quando vencia uma causa, era uma felicidade que não cabia em mim ao ver os olhares daquelas pessoas!
RS: A Carreira Acadêmica te ajudou na Ascensão à Advocacia Criminal?
R: Sim. Não consigo imaginar a Advocacia Criminal sem a pesquisa constante. Não podemos estacionar e parar de pesquisar. As leis e os entendimentos jurisprudenciais mudam sempre, precisamos estar antenados às novidades. Em razão disso, sempre conciliei Advocacia Criminal e Docência no Ensino Superior. Lecionei também, várias disciplinas de Ciências Criminais na Graduação e na Pós-graduação de faculdades, tais como: na Unitri (de 2011-2020); na UEMG de Ituiutaba; ESAMC, na Pitágoras/Anhanguera; na Estácio de Sá-DF (Kroton) e na Unifucamp. Fui professora monitora na UFU, na USP e na UFMG também, enquanto eu fazia os estágios-docentes das pós-graduações. Tornei-me Mestre em Direito Público pela UFU em 2013, 1 mês antes de minha primogênita Valentina nascer. Defendi o Doutorado em Direito Penal Econômico pela USP em 2018, em meio a dificuldades de deslocamento, financeiras, enfrentando um divórcio conturbado e a mudança de cidade para Monte Carmelo, para ter apoio dos meus pais para os cuidados da Valentina enquanto eu trabalhava. Viajava de Monte Carmelo para Uberlândia e de Uberlândia para São Paulo toda semana… Dureza, mas eu resisti ao trânsito e à falta de dinheiro, já que eu não tinha bolsa de pesquisa. Em 2018, logo após finalizar o Doutorado na USP, ingressei para uma das maiores Bancas de Advogados Empresariais de Uberlândia, onde atuei na vertical de Direito Tributário, Penal Empresarial e Compliance. Diante da necessidade do Mercado, em 2021 me tornei Especialista pelo MBA-FACIC/UFU em Contabilidade e Gestão Tributária, uma área extremamente importante para complementar a Advocacia Empresarial. Ainda em 2021, realizando um sonho de ser “Autora da Minha Própria História”, fundei a minha Banca de Soluções Jurídicas, a “Rafhaella Cardoso Advocacia” especializada em Consultivo e Contencioso de Direito Penal, Administrativo Sancionador, Ambiental e Compliance, onde desenvolvemos um trabalho extremamente personalizado e altamente técnico, Me tornei também Consultora do Renomado Escritório Luciano Lopes Advocacia que tem sede em BH, unidades em Campinas, Brasília, Juiz de Fora e atuação em todo o Brasil e exterior. Recentemente, em outubro de 2022, me tornei Pós-doutora em Processo Penal pela UFMG. Já fui Coordenadora Adjunta do IBCCRIM-MG de 2021-2022. Sou Coordenadora Regional de Interiorização do ICP a partir desse ano e sou ex-Presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB Uberlândia (gestão 2022), tendo sido também Vice-Presidente da referida Comissão no biênio de 2020-2021. Atuo como Palestrante e Consultora Jurídica e adoro escrever! Sou Autora do Livro “Proteção Penal Ambiental e Acessoriedade Administrativa: funções e limites de atuação legítima” lançado pela LAECC em 2021. E irei lançar em 2023 meu novo Livro “Delitos Econômicos de Desobediência Administrativa: Consequências da Omissão da Administração Pública”, que está no prelo da Editora Marco Teórico aguardando a impressão e lançamento oficial.
RS: Qual é a sua maior motivação para viver?
R: Meus filhos, Valentina e os bebês que viraram “estrelinhas” (mas que sei que me iluminam onde quer que estejam), meus pais, irmãos e meu marido. Motiva-me também o fato de que sempre lutei até conseguir o que sonhei, pois mesmo tendo vindo de uma família bastante humilde do interior de Minas Gerais, com quase nenhum parente advogado referência ou alguém que pudesse me apoiar no início de carreira, sempre busquei o meu lugar, seja pelas muitas amizades por onde passei, ou, pelo meu amor aos estudos: as oportunidades foram aparecendo e eu as abracei com toda energia, dando o máximo que eu podia em cada situação.
RS: Quais são os grandes desafios para as Mulheres na Advocacia Criminal Contemporânea?
R: Primeiramente, só pelo fato de ser Mulher, num país machista e misógino é um desafio diário. A Advocacia Criminal tem um bordão “não é profissão para covardes” e, de fato, as mulheres criminalistas não têm demonstrado covardia na defesa de seus constituídos na Advocacia Contemporânea. Nós Mulheres estamos, seja na advocacia criminal ou em qualquer profissão, sujeitas às falas preconceituosas, aos assédios morais e sexuais, às tentativas de silenciamento e ao menosprezo à nossa condição. Além disso, a Mulher precisa provar para o Mercado que é boa demais para ser reconhecida e ganhar respeitabilidade. Que consegue ser mãe e profissional sem perder qualidade em nenhuma de suas funções. Fácil? Não é! Mas por não ser impossível, seguimos resistindo. Por isso, na minha área Criminal, que até há alguns anos era predominantemente ocupada por homens (policiais, juízes, promotores e advogados), para uma Mulher ser respeitada, de fato, tem que ser uma pessoa altamente técnica, ética e gabaritada, ou sempre irão duvidar da sua capacidade intelectual e irão querer remunerar menos do que homens – até mesmo menos qualificados – apenas pela condição do gênero. Hoje isso tem mudado, pois temos visto muitas advogadas criminalistas famosas em todo o Brasil, tais como: Fernanda Tórtima, Dora Cavalcanti, Flávia Rahal, Heloísa Estellita etc., assim como Juízas Criminais, Promotoras de Justiça, policiais etc. de destaque; mas o mercado ainda subjuga mulheres, não podemos negar nunca. Seja pela nossa aparência física ou pela nossa suposta “feminilidade”; supõem, de forma equivocada e superficial que somos um “sexo frágil” para atuar com questões criminais. O que não procede de forma alguma, somos “aroeira”. No Tribunal do Júri, onde atuamos perante o Conselho de Sentença formado por juízes não-togados escolhidos dentre pessoas do povo, o preconceito tem que ser enfrentado com coragem feminina redobrada! Somos julgadas, primeiramente, pelas nossas vestes e maquiagem, só pelo fato de sermos Mulheres naquele ambiente, e segundo, somos julgadas pelos Jurados por estarmos defendendo um suposto autor de Homicídio, ou seja, por sermos “Advogadas de bandido”, já que não só mulheres como homens são diuturnamente “criminalizados” e menosprezados por exercerem tão importante profissão, como se nos confundem com o próprio criminoso – o que é um equívoco tremendo. Não defendemos o crime ou o criminoso, defendemos o direito de defesa. Essa garantia constitucional tão cara nos países democráticos. Defendemos também os direitos das vítimas, quando atuamos como seus advogados ou como assistentes de acusação. Nosso mister é indispensável para a administração da Justiça conforme determina a própria Constituição Federal em seu art. 133. Graças à divulgação de Leis e de Normativas contra Violência de Gênero em diversos setores institucionais, bem como através da exposição e de punição dos infratores, temos visto o gradativo aumento do respeito ou, até mesmo, de um machismo mais comedido ou velado, dentre os colegas e dentre Autoridades do Sistema de Justiça Criminal e as Mulheres Advogadas. Ainda há abusos? Sim, diários. Mas estamos vencendo com Equilíbrio Emocional, Conhecimento Técnico e Sororidade nos grupos de classe que enfatizam a luta por direitos e pela valorização de prerrogativas da advocacia, bem como por punições aos violadores desses interesses. Considero ainda que somos um diferencial: a Mulher Criminalista tem demonstrado que possui habilidades altamente importantes na área: empatia com os presos e seus familiares; pensamento estratégico; sensibilidade e intuição aguçadas; domínio técnico e alta capacitação (somos maioria nas Universidades e Cursos de Pós); humanidade e capacidade de negociação e argumentação etc.; pontos importantíssimos no Mercado de Trabalho hodiernamente. No âmbito do direito penal empresarial, minha área de atuação, a Mulher Criminalista tem ainda mais destaque, pois aquela coisa de que “mulher consegue entender de vários assuntos ao mesmo tempo” consegue transformar uma habilidade em unir vários conhecimentos interdisciplinares e se posicionar globalmente, tais como: direito societário, tributário, penal, contabilidade etc. e, por lidar, tradicionalmente, como “gestora da unidade familiar”, ampliamos grandes êxitos também nas áreas Consultivas de gestão de risco e compliance, assim como na criteriosa atuação contenciosa em casos complexos de crimes envolvendo fraudes fiscais, contábeis e de lavagem de dinheiro.
RS: Como é dosar seu lado Mãe e Advogada Criminalista?
R: Sou uma mãe bastante atípica e “ligada no 220V”, sempre tentei conciliar meus sonhos acadêmicos, profissionais e pessoais ao papel de cuidados e afetos maternos. Tento demonstrar para minha filha que o nosso amor é incondicional e eterno, mas que o trabalho é algo também importante, e, tem que ser algo que nos motiva na vida. Fazer o que amamos é bom e dá resultado positivo para nós e para os outros à nossa volta e, que, independentemente do que aconteça, devemos ir atrás dos nossos sonhos – aliás, os filhos são o nosso principal motivador para crescermos na vida. Não penso a maternidade como apenas um empecilho ou como algo que me impediu de crescer, apesar de várias de suas limitações diárias, ainda mais com uma rotina atípica e agitada como a da Advocacia Criminal (delegacias de madrugada, longas oitivas nas audiências judiciais, responder mensagens e reuniões com familiares no período noturno e finais de semana). Digo à minha filha que além de mãe dela, sou: mulher, esposa, advogada, professora, amiga, filha e tenho outras atribuições importantes e que adoro exercer todos os meus papéis. E espero que ela seja assim, livre. Para ser, fazer e estar onde quiser. E digo mais: que a educação, valores, saúde e cultura são as nossas maiores riquezas e é esse o único legado que posso querer deixar pra ela.
RS: O que a motivou a ser Advogada Criminalista?
R: Antes de ser Advogada Criminalista pensava, quando criança, em ser professora. Tanto é que fui e amo lecionar Ciências Criminais até hoje. Eu era apaixonada por teatro e uso esse dom e essa paixão no Tribunal do Júri em favor dos meus clientes. Além disso, antes de prestar o Vestibular para Direito, sonhava em ser Diplomata, para conhecer o mundo e suas diferentes culturas, porque sou apaixonada por novos desafios e experiências. De fato, cada processo criminal traz um universo diferente, vidas diversas, situações inusitadas. Isso de estar aberta a aprofundar no novo e querer entender o que se passa na história de cada um, me permite olhar meus casos com mais sensibilidade, profundidade e de forma estratégica. Além disso, quando eu tinha 11 (onze) anos, vivenciei meu primeiro processo familiar, no qual fui submetida a um exame de DNA para averiguar meu suposto pai e, aquilo, de alguma forma, sempre me inspirou em buscar ir atrás de uma “verdade”, o que hoje me realizo procedendo à investigação defensiva criminal. Acho que algo já estava traçado na minha história, porque sou apaixonada pelo que faço. Amo defender direitos e liberdades, restabelecer a paz e tranquilidade, não só aos meus clientes, mas também aos seus familiares e à suas empresas, mormente quando ocorre uma prisão ou uma citação para uma defesa criminal ou, mesmo, quando tenho que ter o acolhimento necessário como advogada de vítimas de crimes contra honra ou como assistente de acusação em prol dos ofendidos. Adoro prestar Consultoria para empresas visando a prevenção de delitos variados, que, se ocorressem, poderiam gerar impactos danosos e até mesmo “quebrar” a entidade, tais como: assédios, fraudes, estupros, subornos, corrupção, lavagem de dinheiro etc. Hoje a minha atuação no Consultivo tem sido uma das minhas grandes especialidades, porque penso que atuar de forma esclarecedora para prevenir o delito, é sempre melhor do que advogar para remediar (já que a pena de prisão no Brasil não inibe o crime, não insere o infrator e nem diminui a reincidência penal). Tenho atuado bastante também com Negociação Criminal, já que a Justiça Penal atual está baseada em Acordos e Colaborações Premiadas, celebrados entre a Advocacia e Ministério Público. Tenho grande facilidade em dialogar e mediar conflitos, analisar cláusulas contratuais e impactos futuros, e, por isso, entendo ser uma nova faceta da Advocacia Criminal Contemporânea da qual não podemos escapar em dominar.
RS: Qual transformação social gostaria de ver em nossa sociedade brasileira e mundial?
R: Equidade de gênero e erradicação de toda e qualquer forma de violência contra mulheres, LGBTQIA+ e crianças, mormente a violência física, psicológica e sexual, que são aviltantes e deixam marcas eternas. Acredito que isso só será possível por meio de educação e de políticas públicas efetivas de autonomia e empoderamento feminino, bem como de prevenção aos abusos sexuais e acolhimentos e escutas especializadas, sem vitimização, desde a primeira infância.
RS: Como a Dra. Rafhaella Cardoso – Advogada Criminalista – gostaria de ser lembrada?
R: Como uma pessoa corajosa, sem medo de ser feliz, uma mulher empoderada, resiliente, autêntica, empática, e que, na maioria das vezes, procurou fazer das suas crises e dificuldades diárias, verdadeiros trampolins para novos dias melhores. Como uma mulher grata à Deus e às experiências desta vida.
RS: Qual a maior lição que você, como Advogada Criminalista e Professora de Ciências Criminais, pode ensinar a alguém?
R: Tudo é efêmero. Estamos de passagem. No caminhar da vida podemos focar nas pedras ou nas flores que aparecem no nosso caminho, eu preferi olhar para as flores. E acredito que, diariamente, esse é o nosso maior desafio: buscar aceitar a nós mesmos e às nossas circunstâncias. Ser grato a tudo que nos ocorreu até chegarmos aonde chegamos, todas as flores e pedras no nosso caminho. Sem elas não teríamos chegado a lugar algum. O autoconhecimento e o autoamor nos ensinam o quanto podemos deixar algo genuinamente nosso e especial na vida das pessoas com quem convivemos.