A política brasileira se encaminha lentamente para sair da fase anti-Bolsonaro – CartaCapital

Onyx Lorenzoni e Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima/AFP
As pesquisas de opinião espelham a mudança social evidente. Depois da onda eleitoral que levou Jair Bolsonaro ao poder, o que resta na praia brasileira são os despojos da administração: crise econômica, desespero social, isolamento diplomático e uma desconcertante desumanidade. Qualquer que seja o ângulo de análise, o governo brasileiro é um fracasso.
A tragédia começou com a infantilidade do golpe parlamentar disfarçado de ­impeachment. A direita, incapaz de cumprir na oposição a sua tarefa democrática (e com receio do regresso de Lula ), decidiu acelerar o tempo político – e com isso cavou a sua própria sepultura. Foi a primeira a ser devorada por uma extrema-direita que nunca escondeu a sua vontade de recuperar o patrimônio e a reputação da ditadura. Hoje, as patéticas tentativas para encontrar um candidato do chamado “centro” deparam-se com o silêncio das pedras do deserto. Ninguém.
Como é costume, as desculpas mais imbecis começam a circular. Dentre elas merece destaque a conversa da polarização política, como se nas eleições presidenciais que se disputam em dois turnos a polarização em torno dos dois candidatos finais não fosse a regra do jogo. Não, não é nada disso. O que vejo é outra coisa que tem a ver com o ódio político, alimentado pelo golpe parlamentar e pela prisão usada como arma política. A democracia aguenta bem a polarização, o que não aguenta é a violência política. E, por favor, não confundamos as coisas – a responsabilidade desse clima nada tem a ver com as vítimas do ódio, mas com as ações dos seus autores e o silêncio cúmplice dos demais.
Interessante do ponto de vista histórico é que a solução para o Brasil não virá de quem usou o golpe e a violência, mas de quem a sofreu – e a ela resistiu. É sempre assim, o futuro democrático pede sempre mais às vítimas, que terão de se elevar acima do trauma e do ressentimento para dar início a um novo caminho. Tenho profunda admiração pela coragem com que os dirigentes do Partido dos Trabalhadores travaram a última batalha eleitoral em circunstâncias tão desiguais e confesso com orgulho que naquela noite só tive olhos para a dignidade dos vencidos. Todavia, três anos depois, o País exige-lhes agora mais um desafio – terão de ser eles, os militantes do PT , vítimas e alvo do ódio social e da perseguição política de 2018, a estender a mão para que possa recomeçar o convívio democrático interrompido pela prisão, pela violência e amea­ça institucional. Aí está a beleza paradoxal de tudo isso – é à vítima do antipetismo que os brasileiros vão pedir que acabe com esta cólera social. Os outros não têm força sequer para odiar.
Não sei se interpreto bem o sentimento, mas o que me parece ser óbvio no resultado das sondagens que avaliam a ação do governo é que só agora os brasileiros começam a tomar consciência da desgraça. O Brasil tem hoje sério problema de desemprego e crescimento. Tem hoje uma sociedade mais desigual e mais dividida. É um país isolado diplomaticamente e sem influência nos assuntos do mundo. É um país sem ânimo. Estes são os despojos do dia. Os despojos de um governo que parece nunca ter saído da campanha eleitoral. Os despojos de uma administração de desacato, de agressão, de insulto. Os despojos de uma governação que apenas confirmou o que se suspeitava, nunca soube construir nada, só destruir. Nunca soube governar.
Despojos do dia. Quem assistiu a algumas sessões da CPI percebe exatamente do que estou a falar. Ali está o triste estertor de toda uma escolha eleitoral falhada. Ali está a incompetência e o desleixo de uma política e a barbaridade de um governo que se recusa a fazer o luto dos seus mortos. Ali está a hipocrisia dos moralistas de outrora, agora apanhados em flagrante. E, finalmente, ali está o mais sombrio e patético espetáculo, tão próprio destes momentos – o abandono, a saída, a fuga dos apoiadores que não têm sequer a decência estética de ouvir a orquestra tocar os seus últimos acordes.


Sim, é preciso uma estratégia, uma linha política. O País precisa se unir de novo para enfrentar o rasto de desgraça e ressentimento que ficou. Vejo com agrado, no entanto, que a política brasileira se encaminha lentamente para sair da fase anti-Bolsonaro, que não vale a pena, para se ocupar do tempo pós-Bolsonaro. A política do ele não é lentamente substituída pela política do outro sim. É tempo de preparar o futuro sem ficar agarrado à discussão de um passado falho. Olhar para a frente com confiança. O Brasil precisa de um plano e de uma liderança, o que neste momento quer dizer experiência, diálogo, conhecimento. O Brasil precisa de alguém que tenha dado provas. Alguém com uma biografia. Sim, este. Sabem de quem estou a falar.
Este texto não reflete necessariamente a opinião de CartaCapital.
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Ex-primeiro ministro de Portugal (2005 a 2011)

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