Os loteamentos de acesso controlado e o pagamento de taxas pelos proprietários de lotes
O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente decidiu dificultar a cobrança de taxas de manutenção (taxas associativas) nos loteamentos fechados ou “de acesso controlado”. E o fez da seguinte forma: “RE 695911 – Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 492 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese:
‘É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis’, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso e fixava tese nos termos de seu voto. Falaram: pela recorrente, os Drs. Robson Cavalieri e Mauro Simeoni; pela recorrida, o Dr. Flávio Henrique Unes Pereira; pelo amicus curiae Associação Nacional de Vítimas de Falsos Condomínios – ANVIFALCON, o Dr. Carlos Alberto Garbi; e, pelo amicus curiae FAMRIO – Federação das Associação de Moradores do Município do Rio de Janeiro, o Dr. Alexandre Simões Lindoso. Plenário, Sessão Virtual de 04.12.2020 a 14.12.2020.”
Em resumo, o STF colocou a questão de duas formas diversas:
a) Nos loteamentos fechados, até o advento da Lei 13.465/2017 ou de eventual lei municipal autorizadora, é vedada a cobrança de taxas de conservação desses empreendimentos por suposta inconstitucionalidade decorrente da liberdade de associação;
b) Após a indigitada Lei 13.465/2017, a cobrança é possível, mas o STF colocou condições que, adianto, não estão na lei, quais sejam:
b.1) sendo possuidor de lote, o devedor tenha aderido à associação; em outras palavras, deve ser associado;
b.2) sendo novo adquirente, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado junto ao Oficial de Registro de Imóveis.
O problema nessas conclusões e condicionantes do STF é que a Lei 13.465/2017, que alterou a Lei que rege o loteamento (parcelamento do solo urbano), tem um texto em vigor que não diz o que o Supremo colocou. Então, alguém pode questionar: o STF está inventando, legislando, cumprindo função diversa de julgar e criando lei onde não existe? Exato. É o que, no meio jurídico, chamamos de ativismo judicial que se manifesta nas decisões judiciais que criam normas que não existem na lei, extrapolando sua função constitucional, invadindo muitas vezes a competência do Poder Legislativo e, conseguintemente, gerando insegurança jurídica.
E o STF, lamentavelmente, vem sendo um exemplo de produção desse ativismo que, só para mencionar no âmbito do Direito Imobiliário, para além da questão dos loteamentos que ora abordo. Também pode ser verificado na ineficácia da fiança concedida em contratos de locação comerciais, nos casos em que o fiador conta com um único imóvel residencial (bem de família), afrontando o teor expresso do art. 3º, VII da Lei 8.009/1990 (Lei do Bem de Família) que excepciona o fiador de contrato de locação, entre inúmeros outros casos. Voltando ao indigitado acórdão do STF, é preciso observar que o loteamento fechado – que de condomínio não se trata – foi disciplinado, de fato, pela Lei 13.465/2017.
Até o advento dessa lei, não havia regulamentação desses empreendimentos em Lei Federal. A Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979, que regula o parcelamento do solo urbano, editada em época em que não se dava tanta importância para segurança, não disciplinou a possibilidade de fechar o perímetro do loteamento e controlar o acesso. No que diz respeito à possibilidade de cobrança dessas taxas nos loteamentos fechados, mesmo antes da lei que regulamentou a possibilidade (Lei 13.465/2017), a obrigação decorria do princípio que veda o enriquecimento sem causa e a cobrança dos titulares de lotes se dava mesmo que não fossem vinculados à associação de moradores pois se beneficiavam dos serviços de conservação e segurança.
Todavia, o STF resolveu entender – e eu definitivamente discordo – que seria inconstitucional cobrar de quem não se associou, mesmo com o evidente benefício ao titular do lote. Essa
posição do STF gerou a edição da Lei 13.465/2017 que disciplinou as associações de moradores. Essa lei considerou essas associações como administradoras dos imóveis contidos no perímetro do loteamento fechado, vinculando os titulares não só ao pagamento das taxas de conservação, como, também, ao seu regulamento.
Eis o teor: Lei 6.766/1979 (redação da Lei 13.465/2017) “Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculamse, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis. parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.”
Onde está o problema? O STF criou condições que não estão na lei. Em outras palavras, é como se o Supremo escrevesse a lei, colocando regras que não estão escritas, notadamente a obrigação de se associar, sendo proprietário no momento da vigência da lei, ou, se for adquirente posterior, que o ato constitutivo da obrigação esteja registrado junto ao Registro de Imóveis.
Assim, pelo que se pode interpretar da “lei” (sic) editada pelo Supremo, as associações devem registrar o único ato passível de constituir a obrigação que é o estatuto da associação. Para a finalidade de viabilizar a cobrança, além do seu registro peculiar junto ao Registro de Pessoas Jurídicas, deve ser levado ao livro auxiliar no Registro de Imóveis. Tudo isso é lamentável. O STF não se deu conta que essa invasão na competência de outro Poder (o Poder Legislativo) gera absurda insegurança jurídica, afasta investimentos e não colabora com o objetivo do Direito que é a paz social.
Luiz Antonio Scavone Junior – Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD, Professor de Direito Civil e Mediação e Direito Arbitral nos cursos de graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzievares Penteado, Autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática (Ed. Forense), Colunista de Revista Soberana