Os desafios da parentalidade frente ao transtorno do jogo pela internet

Como eu sei que meu filho joga ou fica no celular demais?

Como dar limites? Quais os perigos?

Como negociar o tempo que meu filho fica na internet?

Imagem: iStockphoto.com

Atualmente é impossível pensar em crianças e adolescentes que não tenham acesso a celulares, internet, jogos on-line e demais recursos tecnológicos. Só que, apesar de toda a disseminação de jogos eletrônicos, da expansão desse ramo como um negócio, que se tornou até mais lucrativo que o cinema, nem todos fazem uso de maneira saudável. Muitos jovens podem ser acometidos por adoecimento psicológico e desenvolvendo o transtorno do jogo pela internet. Os jogos tem seu lado positivo, claro. Eles estimulam a criatividade, podem se tornar uma profissão, ajudam na memória, na concentração, na aprendizagem de novos idiomas. Também ensinam sobre estratégia, trabalho em equipe, resolução de problemas e competitividade.

Mas então quando é problema: quando eu preciso de cada vez mais tempo conectado, para me satisfazer; quando isso se torna uma fuga do meu cotidiano, quando eu preciso desse recurso para evitar o tédio, e quando eu deixo de lado atividades importantes, como escola, estudo, trabalho, amigos reais e presenciais, fazer atividades com a família, porque necessito estar conectado o tempo todo.

Quais as causas desse problema: assim como em outros problemas de ordem psicológica, as causas são multifatoriais. Pode ser por uma aprendizagem inadequada, sem oferta de modelos em casa, famílias disfuncionais, famílias que terceirizam os cuidados dos filhos e que estão muito ausentes ou envolvidos com suas próprias questões, ter que trabalhar muito, por exemplo. Também acontece com crianças que têm dificuldade de socialização, que tem tempo ocioso demais, entre outras inúmeras razões.

Pode ser considerado um transtorno?

A APA – Associação Americana de Psiquiatria, estuda incluir no próximo Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais, (ainda sem data prevista), a inclusão do transtorno do jogo patológico como um transtorno. Estudos preliminares têm observado os seguintes sintomas, em crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos: alucinações auditivas, tendinites, enurese, encoprese, crises epiléticas. Também foram observados os mesmo sintomas da abstinência de droga em dependentes químicos, tais como: irritabilidade, ansiedade, nervosismo, insônia, tremores, agressividade. Isso acontece porque ocorre a liberação de dopamina, que é o hormônio do prazer no cérebro, que causa a euforia e atua no centro de recompensa. E é isso que, para as pessoas com predisposição, leva à dependência. Inicialmente, a pessoa vai em busca dessa liberação de dopamina para sentir prazer novamente e cada vez mais para diminuir os sintomas de abstinência que sente quando se afasta dos jogos, que é a atividade prazerosa.

 

Imagem: G1

Entre os critérios e condições para estudos posteriores pela APA, para a possível inclusão no DSM, estariam:

Uso persistente e recorrente da Internet para envolver-se em jogos, frequentemente com outros jogadores, levando a prejuízo clinicamente significativo ou sofrimento conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes sintomas em um período de 12 meses:

  1. Preocupação com jogos pela Internet. (O indivíduo pensa na partida anterior do jogo ou antecipa a próxima partida; o jogo pela Internet torna-se a atividade dominante na vida diária); Nota: este transtorno é distinto dos jogos de azar pela Internet, que estão inclusos no transtorno do jogo;
  2. Sintomas de abstinência quando os jogos pela Internet são retirados (irritabilidade, ansiedade, tristeza);
  3. Tolerância – a necessidade de passar quantidades crescentes de tempo envolvido nos jogos pela Internet;
  4. Tentativas fracassadas de controlar a participação a participação nos jogos pela Internet;
  5. Perda de interesse por passatempos e divertimentos anteriores em consequência dos, e com a exceção dos, jogos pela Internet;
  6. Uso excessivo continuado dos jogos pela Internet apesar do conhecimento dos problemas psicossociais;
  7. Enganou membros da família, terapeutas, ou  outros em relação à quantidade de jogo pela Internet;
  8. Uso de jogos pela Internet para evitar ou aliviar um humor negativo (como por exemplo sentimentos de desamparo, culpa ou ansiedade);
  9. Colocou em risco ou perdeu um relacionamento, emprego ou oportunidade educacional ou de carreira significativa devido à participação em jogos pela Internet.

 

Imagem: Jornal “O Globo”

Como eu posso ajudar meu filho?

Primeiramente, é preciso deixar bem claro que os pais são responsáveis pela vida digital dos filhos. E há algumas estratégias que podem auxiliar, tais como:

  • não terceirizar o cuidado (quando possível, claro);
  • os pais precisam ter disponibilidade para estar com os filhos (é mais fácil deixar jogando, enquanto temos uma tarefa ou trabalho a fazer ou simplesmente não queremos brincar), mas ser pai ou mãe é isso, demanda tempo, energia, dedicação;
  • inserir novos hábitos (esporte, leitura, culinária, uma aula extra, natação, etc.);
  • negociar o tempo, colocar limites (de acordo com a idade dos filhos);
  • flexibilizar (liberar mais tempo aos fins de semana, ou conforme o rendimento na escola, por exemplo);
  • dialogar sobre os riscos da vulnerabilidade com a exposição na internet (pedófilos, pornografia, golpes, etc);
  • orientar sobre o comportamento, por exemplo, de abusadores e manipuladores;
  • tentar substituir por um animal de estimação, porque a criança ou adolescente terá que ter um tempo para os cuidados com o pet;
  • estipular em que momento do dia a criança poderá acessar a internet, usar o celular ou jogar, de acordo com a rotina. Por exemplo: depois que terminar as tarefas de casa, meia hora antes de dormir, tal horário antes do jantar;
  • cumprir os combinados. Se cedermos uma vez, os filhos entendem que podemos ceder sempre e aí não podem querer burlar as regras frequentemente.

E, se for necessário, buscar ajuda, como o acompanhamento psicológico para ajudar tanto os filhos, quanto os pais.

 

Referências:

DSM-5-TR – Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais (2023).

Livro Dependência de Internet de Kimberly Young e Cristiano Nabuco de Abreu.

 

Kátia Beal
Psicóloga – CRP 04/36616

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