Sobrecarga, falta de tempo e preconceito:
Empreender em um mercado de trabalho onde as mães são discriminadas é um desafio para as mulheres que sonham com abrir seus negócios. No Brasil, apesar delas trabalharem, em média, três horas a mais por dia que os homens, recebem apenas 80% dos rendimentos deles, segundo dados do IBGE. A carga horária mais pesada se deve ao fato de que, por aqui, elas sofrem com a tripla jornada, tendo que realizar atividades profissionais, afazeres domésticos e cuidados com os filhos e demais familiares.
Por isso, empreender em um cenário como esse é especialmente desafiador. Não à toa, apesar das mulheres representarem mais da metade da população, no Brasil, elas comandam apenas 34% de todos os donos de negócios do país, de acordo com dados do Sebrae. A pandemia, no entanto, se mostrou um grande impulsionador para as mulheres que sonhavam com seus próprios negócios, conforme aponta a pesquisa “O voo delas”, realizada em parceria pelo Movimento Aladas e o Sebrae São Paulo.
Durante o período, das 1,1 mil mulheres entrevistadas por terem aberto seus próprios negócios durante a pandemia, 46% afirmaram terem tomado essa iniciativa com objetivo ter mais autonomia e flexibilidade para ficar com a família. A maternidade, nestes casos, figura no topo das motivações.
“Fato é que ser mãe não diminui a nossa energia. A maternidade nos torna mais produtivas, focadas e jamais incapazes de dar conta do recado”, analisa Daniela Graicar, fundadora do Aladas.
A análise também teve como objetivo explorar o dia a dia e os desafios do público feminino ao empreender e gerir seus negócios. Entre as barreiras enfrentadas por elas, o acesso ao crédito para empreender se revela como um abismo que separa o desejo da realização. Mesmo sendo consideradas mais adimplentes que os homens, o financiamento bancário parece ainda uma realidade distante para as empreendedoras: 78% das mulheres entrevistadas abriram seus negócios com recursos próprios e apenas 6% contaram com a ajuda do banco.
“Se conseguem, acabam aceitando juros mais elevados – segundo o BMI, 3,5% a mais que os homens – pela dificuldade de negociar a condição oferecida”, afirma Daniela.
Para superar esses tabus e incentivar que mais mulheres sigam o plano de empreender, reunimos depoimentos de duas empreendedoras que contam suas experiências antes, durante e depois de terem seus filhos. Nos relatos, a superação da tripla jornada e a constante busca pelo equilíbrio se mostram presentes como uma realidade comum entre aquelas que figuram no cenário empresarial nacional.
Monique Lima, diretora da MIMO
“Quando eu pensei em fundar a Mimo Live Sales era começo da onda da Covid-19 e, pouca gente sabe, mas eu estava grávida de seis meses. Sempre li várias histórias de empreendedores no começo e, quando chegou minha vez, não tive dúvida. Como meu empreendimento foi todo on-line e durante a pandemia, procurei não expor minha gravidez, muitas pessoas nem souberam não só que eu não estava grávida, mas também já tinha parido. Isso porque sabemos que a maternidade, por conta da nossa cultura, que já vem de gerações anteriores, oferece essas barreiras para a mulher mãe, pois há muito questionamento se conseguiremos dar conta.
Eu sei que tem muita mãe que fica ressabiada de empreender por conta dos filhos, mas eu sempre penso no exemplo bacana que eu dou para eles quando eu realmente corro atrás das coisas que eu quero. Acordo, às vezes, cansada e falo: vamos! Esse ‘vamos’, claro, tem uma força muito maior por conta deles, porque eu sei do exemplo que eu quero dar. E eu quero deixar esse legado para os meus filhos. Então é preciso ter muito mais força e eu canalizo muito essa força também dos meus filhos.
Eu diria que o principal desafio da mãe empreendedora é encontrar tempo para a própria mãe empreendedora. Porque temos que se desdobrar entre trabalho e os filhos e acaba esquecendo também da gente. É preciso ter um tempo pra ler ou até mesmo não fazer nada, um período para meditar e cuidar da gente”.
Camila Salek, CEO da Vimer
A Vimer acabou se tornando a minha primeira filha. E, dentro desse processo de planejamento da Vimer, quando eu decidi empreender, eu tracei algumas metas pra que eu pudesse engravidar por volta dos meus 30 anos, que também era um grande objetivo da minha vida.
A maternidade e o empreendedorismo sempre andaram juntos e eram indissociáveis para mim: a Vimer tem 15 anos e minhas filhas têm 13. Mas ao longo desse período nem todos viam que essa junção não só era possível como também fundamental. As cobranças e comentários de pessoas perguntando como é que eu iria dar conta das minhas filhas sendo que trabalho muito, enfim. Foi, de certa forma, um preconceito velado.
Todo mundo acha que tem uma formulazinha pronta, apesar dessa fórmula não existir. Qualquer mulher que empreende com certeza se sente muito sobrecarregada por mais que ela tenha a melhor rede de apoio possível. A partir do momento que a mulher trabalha efetivamente no seu negócio e que é dedicada como mãe, como muitas de nós somos, a gente se sente assim sobrecarregada.
O tempo é cada vez mais escasso e escolher como a gente vai usar é um desafio. Muitas vezes a mulher acaba tendo que abdicar de outros aspectos importantes da vida dela por estar vivendo essa sobrecarrega. O autocuidado com saúde, por exemplo, e de uma série de outras coisas que não envolvem ser mãe ou ser empreendedora, mas os teus outros inúmeros papéis, que vão muito além de cuidar de uma casa ou cuidar de crianças ou de uma empresa.